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Conselho de Ética e Decoro Parlamentar - 14ª Legislatura


23/06/1999 - Parecer nº 498, de 1999, do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar sobre a Representação da Mesa em Relação ao Deputado Hanna Garib

Este Parecer conterá as seguintes partes:

1.ª PARTE. Relatório:

1- A Apuração Preliminar do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar;

2- A Representação da Mesa;

3- A defesa escrita do deputado Hanna Garib;

4- As testemunhas ouvidas pelo Conselho;

5- Outras provas colhidas pelo Conselho;

6- O direito à ampla defesa foi assegurado pelo Conselho e exercido pelo deputado Hanna Garib;

7 - As alegações do deputado Hanna Garib em sua defesa:

a) Defesa apresentada na fase de Apuração Preliminar deste Conselho;

b) Defesa apresentada após a Representação da Mesa pela perda do mandato;

c) As testemunhas da defesa ouvidas no Conselho.

2.ª PARTE.Voto do Relator:

I - Observações preliminares sobre o decoro parlamentar e sobre o início da condição de deputado:

1- Considerações sobre o decoro parlamentar;

2- O momento do início da condição de deputado, de seus direitos e seus deveres;

II- Os atos ilícitos atribuídos ao deputado Hanna Garib:

1- Os atos ilícitos atribuídos ao deputado Hanna Garib na Administração Regional da Sé;

2- O esquema de arrecadação de propinas no qual estava envolvido o deputado Hanna Garib prosseguiu até após a sua diplomação;

3- A formação de quadrilha ou bando, o conceito de crime permanente, e a existência de crime organizado;

4- As acusações de atos ilícitos cometidos em favor do deputado Hanna Garib durante as últimas eleições;

5- Sobre as acusações de constrangimento e violência contra testemunhas;

6- A fragilidade dos argumentos da defesa;

7- Conclusões.



1.ª PARTE: RELATÓRIO





1- A Apuração Preliminar do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar

O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, em 23.03.99, tomou a iniciativa de proceder à apuração preliminar sobre o envolvimento do deputado Hanna Garib em atos delituosos que teriam ocorrido na Administração Pública de São Paulo, conforme amplamente noticiado pela imprensa. Naquela oportunidade, além de aprovar a solicitação de informações às instituições públicas que investigavam os fatos, decidiu-se informar de imediato ao deputado Hanna Garib a instauração do processo preliminar de apuração, em respeito ao princípio da ampla defesa e do contraditório.

Recebidas as informações do Ministério Público, da Polícia Civil e da Câmara Municipal de São Paulo, e feito o relato de seu conteúdo ao Conselho, foi ouvido o deputado Hanna Garib em 06.04.99. Na oportunidade ele fez distribuir aos membros do Conselho um documento de defesa intitulado "Gharib Culpado ou Inocente? Convite à Reflexão" e respondeu aos questionamentos feitos pelos deputados, negando a autoria de qualquer ato ilícito a ele atribuído, além de negar inclusive qualquer influência nas decisões da Administração Regional da Sé.

O Relatório da Apuração Preliminar de Atos do Deputado Hanna Garib foi apresentado ao Conselho em reunião ocorrida em 13.04.99 e naquela oportunidade aprovado por todos os seus membros.

O Relatório da Apuração Preliminar concluiu existirem provas testemunhais de que o deputado Hanna Garib de alguma forma se encontrava envolvido no esquema de propina e corrupção encontrado na Administração Pública do município de São Paulo, notadamente na Administração Regional da Sé. Os testemunhos variados e provenientes de fontes as mais diversas, conforme o Relatório, acusam-no de ilícitos ocorridos, pelo menos, entre o ano de 1995 até o mês de fevereiro de 1999, inclusive. As ilicitudes referidas eram principalmente de corrupção passiva, concussão, formação de quadrilha ou bando, tudo individualizado e atribuído ao deputado pelas testemunhas ouvidas na Polícia Civil, no Ministério Público e na Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Municipal de São Paulo, conforme constou do Relatório da Apuração Preliminar.

Além disso, o referido Relatório refere-se a ilícitos eleitorais, ocorridos durante o recente pleito para a Assembléia Legislativa, atribuídos ao deputado Hanna Garib por várias testemunhas, especialmente a arrecadação de recursos para a campanha vinculados à contrapartida de ações da Administração Regional da Sé, e o desvio para a campanha de mercadorias apreendidas por aquela Administração.

Finalmente, o Relatório lembra que várias testemunhas apresentam a acusação, ao deputado Hanna Garib, de mandante da tentativa de assassinato, ocorrida em 21 de janeiro de 1999, de pessoas que o haviam denunciado em programa de televisão.

Em face das suas conclusões preliminares desta natureza, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar decidiu encaminhar o Relatório da Apuração Preliminar à Mesa da Assembléia Legislativa, aos partidos políticos com assento na Casa, e a todos os deputados, para a tomada das medidas constitucionais e regimentais.

2- A Representação da Mesa

A Mesa da Assembléia Legislativa, em 16.04.99, assinou Representação conducente à cassação do mandato do deputado Hanna Garib, fundamentada no Relatório da Apuração Preliminar do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar e em outros documentos complementares. Enviada esta Representação da Mesa ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, este reunido em 27 de abril de 1999 recebeu a Representação da Mesa e a encaminhou ao deputado Hanna Garib para que, no prazo de 5 dias, conforme o Código de Ética e Decoro Parlamentar, apresentasse sua defesa por escrito. Inconformado com o prazo, o deputado Hanna Garib recorreuà Mesa, que o manteve, e posteriormente recorreu ao Tribunal de Justiça, onde obteve liminar para apresentar sua defesa em 30 dias.

3- A defesa escrita do deputado Hanna Garib

O deputado Hanna Garib apresentou sua defesa escrita no expirar do prazo de 30 dias, em 28.05.99, com preliminar de nulidade da Representação da Mesa, por inépcia, em face de, segundo ele, não estarem descritos, ordenados no tempo e tipificados os fatos contra ele imputados, e ainda alega nulidade por lhe ter sido concedido apenas o prazo de 5 dias para a defesa. No mérito, alegando não saber de que se defender em face do exposto na preliminar, negou a autoria de qualquer ato ou fato que possa ter comprometido sua atuação como deputado. Ao final indicou um rol de 7 testemunhas, juntou provas documentais e solicitou que o Conselho oficiasse ao Proced, da Prefeitura de São Paulo, solicitando documento.

O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, reunido em 01.06.99, recebeu a defesa escrita do deputado e não acolheu as preliminares, aprovando manifestação de seu presidente, deputado Carlos Sampaio.

O Conselho considerou que a Representação da Mesa da Assembléia veio embasada no Relatório da Apuração Preliminar elaborado pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, onde estão definidos os atos e fatos imputados ao deputado Hanna Garib de forma bastante clara e objetiva, extraídos dos documentos investigatórios enviados ao Conselho pelo Ministério Público, pela Polícia Civil, e pela CPI da Câmara Municipal de São Paulo, todos também de conhecimento do deputado. Ainda mais, o deputado foi cientificado de todos os atos do Conselho, exercendo nele seu direito de defesa oral. E, se não soubesse de que é acusado, não teria em sua defesa escrita apresentado e solicitado documentos para a produção de provas e arrolado testemunhas. Finalmente, o Conselho considerou que o deputado não pode mais alegar a exigüidade do prazo de 5 dias para apresentação da defesa escrita, uma vez que não foi este que vigorou, e sim o prazo de 30 dias concedido por liminar do vice-presidente do Tribunal de Justiça. O Conselho aprovou ainda a oitiva das testemunhas arroladas pelo deputado Hanna Garib e a solicitação ao Proced do documento por ele requerido.

4- As testemunhas ouvidas pelo Conselho

O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, em reunião no dia 02.06.99, definiu as testemunhas a serem convocadas pelo Conselho, a ordem e as datas das oitivas, e os documentos que solicitaria ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal Regional Eleitoral.

Em reunião realizada em 9 de junho de 1999, o Conselho ouviu as testemunhas Afonso José da Silva e Hamurabi Pereira de Oliveira.

O camelô Afonso José da Silva confirmou o que havia dito à CPI da Câmara Municipal e à Polícia, relatando a influência direta do deputado Hanna Garib na escolha do administrador regional da Sé e nas ações relativas à AR-Sé e seus servidores. Disse que os comerciantes do Brás, liderados pelo presidente da Associação dos Comerciantes do Brás, Jô Dawalibi, arrecadaram R$ 442.000,00 (quatrocentos e quarenta e dois mil reais) para a campanha de Garib a deputado estadual. A contrapartida para tal contribuição era a promessa de Garib aos comerciantes de que os ambulantes seriam retirados das ruas do Brás pela fiscalização da AR-Sé. Finalmente, acusou o deputado Hanna Garib de ser o principal mandante do crime de tentativa de homicídio de que foi vítima, aduzindo que pessoas presas apontadas pela polícia como executores do crime já confessaram terem sido contratadas por Bernardo Nascimento, o Piauí, o qual, por sua vez, mantinha estreitas ligações com o deputado Garib.

Hamurabi Pereira de Oliveira também confirmou os seus depoimentos anteriores. Afirmou ter tido conhecimento da arrecadação de R$ 442.000,00, por parte de comerciantes do Brás em favor da campanha eleitoral de Hanna Garib a deputado estadual, em troca da retirada de ambulantes das ruas do Brás. Confirmou também a ligação de Garib com Bernardo Nascimento, o Piauí, ressaltando que em certa oportunidade foi apresentado ao então vereador Hanna Garib, em seu gabinete, pelo próprio Piauí.

Em reunião realizada em 10 de junho de 1999, o Conselho ouviu as testemunhas Wagner Leonardo e Amazília Rodrigues Lopes Leonardo.

Wagner Leonardo reconheceu que arrecadava a propina dos ambulantes e entregava o produto ao chefe do depósito de apreensão de mercadorias da AR-Sé, Antônio Alberto Alves, que separava o dinheiro em dois envelopes, sendo que viu Alberto escrever em um envelope o nome de Hanna Garib, acrescentando que Alberto "sempre comentava o nome do deputado". Reconheceu ter conhecimento de que o esquema de arrecadação da propina continuou a existir até dezembro de 1998, pelo menos.

Amazília Lopes Rodrigues Leonardo, esposa de Wagner Leonardo, disse que após a prisão de seu marido, passou a ser perseguida e ameaçada. Afirmou que possuía uma agenda, em que anotava os nomes e valores relativos à distribuição da propina e que a pedido de seu marido, queimou-a. Confirmou que via em um dos envelopes o nome "Garib"escrito. Disse, ainda, que era freqüente a anotação do nome "Garib" nos envelopes, bem como em sua agenda. Afirmou, por fim, que o esquema começou a diminuir com a prisão de um dos fiscais da AR-Pinheiros e que desde dezembro de 1998, deixou de fazer as anotações.

Em reunião realizada em 15 de junho de 1999, o Conselho ouviu as testemunhas Daniel Ferreira de Farias e Nélson Augustaitis.

Daniel Ferreira de Farias declarou que trabalhou como office boy da Acob (Associação dos Comerciantes do Brás), de dezembro de 1996 a outubro de 1998. Confirmou a arrecadação semanal de propina junto a comerciantes do Brás, que era feita por ele ou por Sandra, secretária de Jô Dawalibi, bem como a arrecadação de dinheiro entre os comerciantes do Brás para a campanha eleitoral de Garib a deputado estadual. Mencionou a amizade existente entre Jô e Garib, relacionando o recolhimento da propina com a ação da AR-Sé para impedir que os camelôs permanecessem nas ruas do Brás.

Nélson Augustaitis, comerciante e ex-ambulante, declarou que Antônio Alberto Alves, chefe do depósito de apreensão da AR-Sé o forçava a pagar propinas, todas às sextas-feiras, caso contrário no Sábado seus carrinhos de cachorro-quente seriam apreendidos. Afirmou que pagava R$ 100,00 (cem reais) a Alberto para liberar cada carrinho seu apreendido, além da propina semanal. Relatou ter participado de uma reunião na AR-Sé, na qual estavam presentes Garib, João Bento e Alberto, em que afirmou já ter pago R$ 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil reais) em propina e que Garib lhe disse que se conseguisse provar que pagava propina, seus carrinhos seriam liberados. Ainda na mesma reunião, Nélson relatou que cobrou de Alberto o troco de R$ 300,00 (trezentos reais), referente ao pagamento de propina com um cheque no valor de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais), ocasião em que Garib mostrou-se muito nervoso pelo fato de a propina estar sendo paga em cheque, retirando-se do recinto em seguida. Confirmou que Garib e Alberto eram amigos, salientando que foi apresentado a Alberto por Garib há três anos, assim que Alberto assumiu a função de chefia do depósito de mercadorias apreendidas da AR-Sé. Segundo a testemunha, ao lhe apresentar Alberto, Garib teria dito: "Olha, Nélson, a partir de hoje os negócios vão ser todos comandados pelo Alberto" (fls. 101). Afirmou ter pago propina a Alberto até a data em que este foi preso, ou seja, janeiro de 1999. Relatou que anotava no canhoto do talão de cheques o nome do beneficiário da propina, sendo que alguns canhotos foram apreendidos pela polícia.

Em reunião realizada em 16 de junho de 1999, o Conselho ouviu as testemunhas Gilberto Monteiro da Silva e Antônio Alberto Alves, esta última indicada pela defesa.

Gilberto Monteiro da Silva, ambulante, declarou que viu Luiz Antônio da Silva entregar dinheiro de propina nas mãos de Garib, enquanto este ainda era vereador. Falou sobre importantes personagens do esquema da propina da AR-Sé. Confirmou a interferência direta de Hanna Garib nas atividades da AR-Sé. Presenciou Garib dando ordens para o administrador regional João Bento: "Olha, João Bento, você não está resolvendo p... nenhuma, (...). Se você não tomar uma atitude e não resolver essa situação, eu tiro você, você sai daí.". Afirmou que era obrigado a pagar propina para Pierre e para Libânio, que trabalhou como assessor de gabinete de Hanna Garib, na Câmara Municipal, bem como coordenou a campanha de Garib a deputado estadual no comitê eleitoral do candidato no Anhagabaú.

O resumo sobre o depoimento da testemunha de defesa Antônio Alberto Alves, bem como das demais, Walter Zucolin e Manuel Luís Marques, estas ouvidas em reunião do Conselho realizada em 17 de junho de 1999, constará mais adiante neste relatório.

5- Outras provas colhidas pelo Conselho

Em reunião realizada pelo Conselho em 15 de junho de 1999, foi efetuada a acareação entre o deputado Hanna Garib e o ambulante Afonso José da Silva. Na ocasião, as divergências existentes entre o depoimento de Afonso e o interrogatório de Garib, persistiram, pois ambos confirmaram suas afirmações anteriores. Garib negou as acusações de pertencer à máfia da propina, de ter recebido dinheiro de comerciantes do Brás na época da campanha eleitoral, bem como ter mandado matar Afonso. Afonso, por sua vez, manteve as suas declarações anteriores, acusando Garib de chefiar o esquema de corrupção na AR-Sé, de ter arrecadado R$ 442.000,00 entre comerciantes do Brás em troca da retirada de ambulantes das ruas do Brás e de ter mandado Piauí contratar pistoleiros para matá-lo.

Por deliberação do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, foram acostados aos autos cópia da prestação de contas da campanha eleitoral de Hanna Garib a deputado estadual, com a respectiva relação de doadores, bem como com os valores de cada doação.

Foram carreados ao processo, ainda, cópias dos canhotos do talão de cheques de Nélson Augustaitis, nos quais há anotações de nomes de pessoas envolvidas no esquema de corrupção da AR-Sé.

6- O direito à ampla defesa foi assegurado pelo Conselho e exercido pelo deputado Hanna Garib

As provas em que se fundamentou o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar para elaborar o seu Relatório da Apuração Preliminar que deu origem à Representação da Mesa e para elaborar este Parecer foram coletadas: a) nas investigações feitas na CPI da Câmara Municipal de São Paulo, onde o deputado teve assegurado e exerceu através de seus advogados o direito ao contraditório; b) nas ações do Ministério Público ou nas investigações da Polícia Civil, apresentadas ao deputado durante a apuração preliminar deste Conselho de Ética no qual ele, ouvido, exerceu seu direito de defesa; c) e, finalmente, nas apurações produzidas neste Conselho de Ética, após a Representação da Mesa da Assembléia e a apresentação da defesa escrita do representado, sempre com a presença e o exercício do contraditório do deputado Hanna Garib, por ele ou por seus advogados.

Seus advogados acompanharam todos os atos processuais deste Conselho, tiveram a oportunidade de apresentar provas, de arrolartestemunhas, de fazer perguntas aos depoentes, de dirigir questões de ordem à presidência dos trabalhos, de suscitar a suspeição de membro do Conselho, de pedir reconsideração ou de recorrer das decisões da presidência ou do Conselho. Quando irresignados com o prazo de 5 sessões para defesa escrita, conforme o Código de Ética e Decoro Parlamentar desta Assembléia e assim definido pelo Conselho, tiveram oportunidade de recorrer à Mesa e ao Poder Judiciário, onde obtiveram liminar que lhes garantiu o prazo almejado de 15 dias prorrogados por igual período.

No que respeita à CPI da Câmara Municipal de São Paulo, seu Relatório Parcial II (Regional da Sé) diz também a respeito dos amplos direitos à defesa e ao contraditório lá assegurados ao deputado Hanna Garib:

"De pronto, cumpre registrar que no momento em que teve início esta etapa de apuração (AR-Sé), já se encontrava juntada aos autos desta Comissão Parlamentar de Inquérito petição apresentada pelo nobre deputado Hanna Garib, em que constitui advogado para representá-lo e requer o acompanhamento de todos os atos desta investigação parlamentar para exercício de seu direito de defesa, na conformidade da legislação em vigor. (...)

É neste sentido, e em atendimento a esta mesma perspectiva jurídica mais liberal, que se fizeram admitir ao longo das investigações pertinentes à Administração Regional da Sé - mesmo antes da formalização de uma acusação contra o parlamentar nestes autos - as diversas intervenções e postulações firmadas pelo ex-vereador e atual deputado estadual Hanna Garib, por meio de seu advogado, e que se encontram devidamente registradas nestes autos. Assegurou-se, com isso, aos nobres patronos do deputado o direito a reperguntas de testemunhas, ao regular processamento de postulações diversas, em que se incluíram argüições de nulidade, exceção de suspeição da presidência da Comissão e outras manifestações procedimentais, bem como ainda o próprio direito de apresentação de defesa escrita e de produção de provas, em consonância com alegislação in casu aplicável".

7 - As alegações do deputado Hanna Garib em sua defesa

O deputado Hanna Garib apresentou sua defesa em várias oportunidades no transcorrer dos trabalhos do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

a) Defesa apresentada na fase de Apuração Preliminar deste Conselho

Na fase de Apuração Preliminar, após resumo dos fatos de que era acusado na Administração Regional da Sé, no período eleitoral e no que respeita aos atentados sofridos por camelôs em fevereiro de 1999, contidos em documentos obtidos por este Conselho no Ministério Público, na Polícia Civil e na CPI da Câmara Municipal, o deputado Hanna Garib foi ouvido no Conselho de Ética. Na oportunidade, apresentou documento escrito denominado "Gharib Culpado ou Inocente? Convite à Reflexão".

Em sua defesa oral alegou não conhecer os funcionários públicos municipais da Administração Regional da Sé, José Roberto da Rocha Reis, Marinho Zildo dos Santos, Wagner Leonardo, Antônio Alberto Alves e os camelôs Geni Alexandra da Silva, Aparecida Martins Santiago, Adriano Martins Santiago, Bernardo do Nascimento, o Piauí, e qualquer outro dos acusados dos atentados contra os camelôs. O deputado negou qualquer participação no atentado sofrido por Afonso José da Silva. Juntou BO de ocorrência registrada por outro camelô, Reinaldo Santana, contra Afonso José da Silva.

O deputado afirmou que de todos os funcionários da Administração Regional da Sé só indicou um, Gassan Marinê. Nega explicitamente ter indicado Pierre Salloun el Nahoum para aquela Regional embora o conhecesse da Igreja Ortodoxa. Reconhece que Pierre o auxiliou na última campanha eleitoral, o mesmo ocorrendo em relação a Antônio Libânio de Melo, e a Eduardo Nemen. Nega ter nomeado João Bento para Administrador Regional, dizendo que quem o fezfoi o deputado Arthur Alves Pinto, então secretário das Administrações Regionais, durante o governo Paulo Maluf, e mantido depois durante o governo Celso Pitta. Nega ter solicitado a permanência de João Bento no cargo.

O deputado negou ter recebido qualquer propina e as outras acusações. Afirma que todas as acusações são orquestradas para denegrir seu partido e sua pessoa. Declarou que o presidente da Associação dos Comerciantes do Brás, Wehbe Yussef Dawalibi, o Jô, não contribuiu financeiramente, nem com seu dinheiro, nem com dinheiro arrecadado dos comerciantes do Brás.

Sobre Soluamarte Emídio da Cruz disse que este foi preso dentro de sua sala na Câmara Municipal por usar indevidamente seu nome e apresentou BO do ocorrido.

Declarou desconhecer que Gilberto Monteiro da Silva trabalhou na sua campanha eleitoral ou contribuiu para ela.

Além do exposto verbalmente, seu documento "Gharib Culpado ou Inocente? Convite à Reflexão", acrescenta que tem sido vítima de uma campanha infamante, que as acusações contra ele são incertas, que são falsas as acusações de Luiz Antônio da Silva e Arnaldo José de Moraes Neto, que afirmam a entrega de propina diretamente a ele, que o dossiê de Soluamarte Emídio Cruz não tem força probatória. Sobre os depoimentos de Aparecida Martins Santiago, Gerson Gomes da Silva, Adilson Roberto do Carmo, Carlos Aparecido da Silva, Antônio Cadoni, diz são baseados exclusivamente em comentários. Sobre o depoimento de Wagner Leonardo, diz que em momento algum este afirmou ter entregue dinheiro pessoalmente ao deputado. Sobre o depoimento de José Roberto da Rocha Reis, diz que esse se referia a Pierre, que teria sido colocado no cargo por influência de Garib, segundo o depoente. Sobre os depoimentos de Sílvio dos Reis, Euclides de Oliveira, Fausto Machado e Demerval de Souza, a autoridade policial não os levou em conta, demonstrando parcialidade, por serem favoráveis ao deputado Hanna Garib. Quanto ao depoimento de Gilberto Monteiro da Silva, o documento do deputado aponta nele contradições, que, em sua opinião, excluem a credibilidade de suas declarações.

Quanto ao promotor de Justiça, José Carlos Blat, ao delegado de polícia, Romeu Tuma Júnior, e ao vereador José Eduardo Martins Cardozo, o documento afirma que eles, a fim de tornarem-se "estrelas da mídia", o acusam infundadamente através da imprensa.

Por fim, o documento alega que " arrecadar dinheiro de comerciantes para campanha eleitoral não é crime, e que eleger parlamentar para trabalhar na direção de afastar a camelotagem ilegal (fantástica maioria) das ruas, não é crime".

b) Defesa apresentada após a Representação da Mesa pela perda do mandato

Além das intervenções dos advogados do deputado Hanna Garib durante todas as sessões deste Conselho, através de perguntas aos depoentes, questões de ordem, protesto contra depoimento de testemunha do Conselho, suspeição de membro do Conselho, e outros usos da palavra, o deputado Hanna Garib compareceu a uma das sessões para uma acareação com o depoente Afonso José da Silva.

No esgotamento do prazo de 30 dias, após a notificação ao deputado Hanna Garib da Representação da Mesa, este apresentou sua defesa escrita em face da Representação.

Começa invocando a nulidade da representação da Mesa da Assembléia Legislativa, por inépcia, por não descrever os eventuais fatos imputados ao deputado, nem ordenando-os cronologicamente, nem tipificando-os.

A peça escrita de defesa prossegue alegando que, no mérito, embora não saiba de que se defender, pelas alegações anteriores, nega a autoria de qualquer ato ou fato que possa ter comprometido sua atuação como deputado. Desqualifica qualquer prova emprestada e requer que toda prova de acusação seja novamente produzida no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

Ainda, o deputado Hanna Garib juntou documentos do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, do Ministério Público Estadual, anunciou juntada futura de certidão do Tribunal de Justiça, e arrolou sete testemunhas (dois camelôs, um funcionário da Administração Regional da Sé, um comerciante do Brás, dois jornalistas, um delegado de polícia encarregado do inquérito sobre o deputado).

Ao mesmo tempo, em sessão posterior deste Conselho, o deputado fez distribuir novo documento, intitulado "Garib Inocente Provas Fornecidas por seus Acusadores".

Neste documento, seu advogado sustenta que as suspeitas de atos ilegais atribuídos ao deputado são anteriores a 15 de março de 1999, data de sua posse como deputado. E, pelo Código de Ética e Decoro Parlamentar da Assembléia (art. 50), a cassação só pode acontecer "no desempenho do mandato ou de encargos dele decorrentes".

Além disso, o documento do deputado Hanna Garib declara irregulares: o prazo de 5 sessões definido pelo Conselho de Ética para a defesa; a falta de especificação clara dos crimes de que é acusado o deputado, de contra quem os teria praticado, e da ordem cronológica dos eventos.

Afirma ainda que, "mesmo que algumas acusações fossem verdadeiras e não o são, como o recebimento de R$ 442.000, 00 para sua campanha, só haveria crime eleitoral, mesmo assim anterior à sua posse como deputado estadual".

Prossegue em seu documento dizendo que: "nenhuma prova concreta se levantou contra Garib, nenhum fato se sustentou de forma cabal nem tampouco surgiu algum depoimento que levasse a conclusões claras e absolutas sobre supostos delitos que tivesse cometido, estando os fatos calcados meramente em acusações de pessoas que, em um ou outro aspecto, levantam sérias dúvidas sobre sua isenção, seja profissional, seja política, seja eleitoreira".

Mais adiante o documento diz que o Procurador Geral de Justiça afirmou que ainda não tem elementos para informar se vai ou não oferecer denúncia contra o deputado Hanna Garib.

Há, segundo o documento, contradições nos depoimentos de Afonso José da Silva e Hamurabi Pereira de Oliveira quanto a ter o último visto o ambulante Piauí, suspeito de participação no atentado contra o primeiro, junto com o então vereador Hanna Garib em seu gabinete. E que o Ministério Público ofereceu denúncia no caso da tentativa de homicídio contra Afonso José, e em processo que envolve o comerciante Jô Dawalibi, sem figurar Garib na denúncia.

Sobre o canhoto de cheque encontrado com Nelson Augustaitis, com a inscrição " 1 mil para Garib", o documento argumenta que este canhoto só foi citado uma semana após a sua apreensão, e que pode ter sido preenchido depois, além de que " a autoridade policial encarregada do caso já constatou que os cheques não foram depositados na conta de Garib".

O documento ainda comenta recente decisão da Mesa da Câmara dos Deputados de que, no caso do deputado acreano Hildebrando Pascoal, considerou não caber a figura da quebra do decoro parlamentar por atos anteriores ao mandato de deputado federal.

c) As testemunhas da defesa ouvidas no Conselho

A defesa arrolou sete testemunhas, e posteriormente desistiu de duas delas, o camelô Reinaldo Ferreira de Santana e o delegado de polícia Dr. Romeu Tuma Júnior. Por sua vez, duas outras testemunhas, o jornalista Bruno Paes Manso, do jornal O Estado de S.Paulo, e a jornalista Ieda Passos, da revista Veja, não compareceram. A primeira, por se encontrar em férias e no exterior; a segunda, por não ter atendido ao convite do Conselho. Como estavam arrolados pela defesa por matérias publicadas em seus periódicos, este Conselho solicitou ao defensor do deputado Hanna Garib que juntasse as matérias referidas. E fez ver ao defensor que o Conselho não tem o poder de convocar e trazer coercitivamente as testemunhas, nem pode dilatar seus prazos à espera de eventual aceitação ou recusa do comparecimento do jornalista que se encontra no exterior.

A testemunha Antônio Alberto Alves, que foi chefe do depósito da Administração Regional da Sé, e se encontra preso acusado de participação no esquema de propinas daquela Regional, negou todas as acusações de participação nos esquemas de propina, e muito menos de ter entregue alguma propina ao deputado Hanna Garib.

Afirmou, no entanto, que conhece o deputado Hanna Garibe é por ele conhecido; que tinha amizade apenas profissional e funcional com Garib; que trabalhou com ele na Freguesia do Ó e na Sé; que encontrou-o inclusive em seu gabinete na Câmara Municipal. Confirmou depoimento da testemunha Nelson Augustaitis a respeito de reunião havida na Administração Regional da Sé entre Augustaitis, João Bento, Hanna Garib e ele, Antônio Alberto Alves. Afirmou que fora Garib que lhe apresentara Augustaitis, e confirmou que trataram das apreensões que os carrinhos de cachorro-quente que ele vinha sofrendo, mas desmentiu que se tivesse tratado de questões de propina. Afirmou ainda conhecer Antônio Libânio de Melo do depósito da regional da Sé, onde ele comparecia acompanhando pessoas que davam entrada a pedidos de retirada de mercadorias apreendidas. Ouviu falar que Garib é que havia nomeado João Bento para administrador Regional.

A testemunha de defesa Manoel Luís Marques de Lima, é presidente de uma associação de camelôs, a Atasp, atualmente desativada. Declarou que nunca deu propina, mas que havia fiscais envolvidos nisso. Que o então vereador Hanna Garib solicitou duas vezes a ele que ajudasse junto com outros camelôs a armar um flagrante de fiscais. Que não aceitou pois no seu entender fiscal é peixe miúdo, e que aceitaria se fosse para pegar a chefia do fiscal. Quanto ao episódio da reunião entre Nelson Augustaitis, João Bento, Hanna Garib e Alberto Alves, diz que tomou conhecimento por comentários que se tratou de problema de propina e que o vereador Hanna Garib teria solicitado a João Bento que afastasse o Sr. Alberto do cargo de chefe do depósito. Depois comentou queixas de pressão de alguns que foram chamados a depor na delegacia. Afirmou que continua havendo recolhimento de propina no Centro da Capital. Instado a declinar o nome das ruas disse que havia nas ruas Direita, 24 de Maio, S. Bento, XV de Novembro, Quintino Bocaiúva e adjacentes. Sobre as ruas do Brás, a rua Santa Ifigênia, o Viaduto Santa Ifigênia e as dependências da Regional da Sé não sabe dizer. Embora tivesse afirmado saber quem são os fiscais que pegam propina, negou-se a dizer o nome deles. Admitiu que fez críticas públicas em manifestações de camelôs ao deputado Hanna Garib, à época que o acusava de controlar a Regional da Sé e de mandar tirar os camelôs das ruas. Declarou que recentemente teve dois contatos com o deputado Hanna Garib em seu gabinete na Assembléia Legislativa.

A testemunha de defesa Walter Zucolin, comerciante do Brás, vice-presidente da Associação dos Comerciantes do Brás, declarou que foi apresentado a Hanna Garib por Jô Dawalibi. Apoiou o deputado em sua campanha percorrendo com ele as lojas, mas não financeiramente. Disse que em reunião da Acob, durante a campanha, Hanna Garib reclamou de falta de ajuda. Confirmou uma ou duas reuniões de Garib na Acob durante a campanha para tratar deste assunto. Conhecia Daniel Ferreira de Farias como funcionário da Acob, e ainda as funcionárias Sandra e Lilia. Afirmou que as cobranças da Acob eram feitas apenas pelo banco, com boletos. Confirmou que em agosto ou setembro do ano passado a Administração Regional retirou camelôs de vários locais do Brás.

Com a concordância do advogado de defesa e do deputado Hanna Garib realizou-se também acareação entre o deputado Hanna Garib e a testemunha Afonso José da Silva. Do depoimento não resultou mudança de significado nas posições e versões de cada um dos depoentes, que repercutisse sobre nossas conclusões.

Sendo este o Relatório, passemos agora ao voto do Relator.



2.ª PARTE: VOTO DO RELATOR





I - Observações preliminares sobre o decoro parlamentar e sobre o início da condição de deputado

1- Considerações sobre o decoro parlamentar

A fim de aferirmos a eventual quebra da decoro parlamentar por parte do Deputado Hanna Garib, precisamos refletir sobre a própria noção e conceito de decoro parlamentar.

Para Miguel Reale e Caldas Aulete, decoro significa, respectivamente:

"A palavra que, consoante sua raiz latina, significa conveniência, tanto em relação a si como em relação aos outros".

"Respeito de si mesmo e dos outros, acatamento, decência, dignidade moral, nobreza, brio, honradez"

Acrescente-se a significação dada no Dicionário Eletrônico Michaelis ao termo decoro:

" 1. Dignidade moral; honradez, nobreza. 2.Acatamento, decência. 3. Pundonor. 4. Conformidade de estilo com o assunto.

Desta maneira, conclui-se que o decoro consiste num dos mais eloqüentes qualificativos da vida de uma pessoa, a permitir que os demais da sociedade verifiquem de maneira objetiva, a adequação e conformidade dos comportamentos de dada pessoa e suas circunstâncias.

Cabe-nos ressaltar que, quando a Constituição Federal e a Estadual se referem a decoro parlamentar, pretendem se referir ao comportamento do parlamentar em conformidade com as responsabilidades das funções políticas que exerce perante a sociedade e o Estado. Assim, refere-se tal conceito não apenas ao respeito do parlamentar a si mesmo, mas sobretudo ao órgão a que pertence, pois é certo que a falta de decência no comportamento parlamentar é capaz, por si só, de configurar desrespeito à dignidade do Poder Legislativo.

As disposições constitucionais e infraconstitucionais estabelecem normas e procedimentos para garantir nas Casas Legislativas a representatividade do pluralismo de nossa sociedade. Fica garantida a possibilidade da presença de representantes de todas as categorias de cidadãos brasileiros, independentemente de sexo, etnia, crença religiosa, convicção filosófica ou política, posição sócio-econômico-cultural, trabalho, ofício ou profissão. No entanto, as normas constitucionais e infraconstitucionais estabelecem a exclusão dos parlamentos de pelo menos dois tipos de pessoas: as que cometem improbidade e as que praticam atos contra o decoro.

Neste particular é importante considerar que a sociedade, o povo em geral, é particularmente crítica e exigente com relação ao perfil dos políticos. Infelizmente chega a colocar como "farinha do mesmo saco" todos os políticos, atribuindo-lhes o mesmo rótulo e estigmadaqueles que negativamente se destacam. Daí a necessidade de o Parlamento dissociar-se desta pecha, com precisão, clareza, e justiça, abstraindo o sentido negativo do "espírito de corpo", quando lhe toca julgar um de seus integrantes. O são "espírito de corpo" é aquele que se preocupa em preservar a integridade moral da Instituição perante a sociedade.

O professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em artigo na Revista dos Tribunais 704/268, ao identificar com a dignidade do próprio Parlamento a conduta individual do congressista, assim se pronuncia:

"Entende-se por atentatória ao decoro parlamentar a conduta que fira os padrões elevados da moralidade, necessários ao prestígio do mandato, à dignidade do Parlamento".

Também o professor Miguel Reale vê, na quebra de decoro parlamentar, a falta de respeito à dignidade do Poder Legislativo, quando escreve na Revista de Direito Público, 10/89:

"O status de deputado, em relação ao qual o ato deve ser medido (e será comedido ou decoroso em razão dessa medida) implica, por conseguinte, não só o respeito do parlamentar a si próprio, como ao órgão ao qual pertence, segundo a fórmula política de Thomasius já lembrada: 'Faça aos outros o que quer que lhe façam'.

No fundo, falta de decoro parlamentar é falta de decência no comportamento pessoal, capaz de desmerecer a Casa dos representantes (incontinência de conduta, embriaguez, etc.) e falta de respeito à dignidade do Poder Legislativo, de modo a expô-lo a críticas infundadas, injustas e irremediáveis, de forma inconveniente".

Tendo isso tudo em vista, estamos convencidos de que subsiste a este Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, e, sobretudo, ao Plenário da Casa, no uso de suas prerrogativas legais e regimentais, o poder-dever de zelar e preservar a honra e a boa imagem da Assembléia Legislativa perante nossos representados.

Nosso poder-dever traz uma conseqüência inafastável da aplicação do princípio secular que se sobrepõe a todo o ordenamento jurídico brasileiro:

"A quem é conferido um poder ou um dever, também são conferidos os meios para exercê-lo"

Seria absurdo que não restasse outra alternativa à Assembléia, a não ser admitir a permanência em seu seio de quem tenha demonstrado comportamento indigno, desmerecedor do cargo, incompatível com a respeitabilidade exigível de um representante popular. É inaceitável cingirmo-nos ao constrangimento de conviver com parlamentar de condutas indecentes. A Assembléia Legislativa tem o poder-dever de rechaçar de seu cargo quem se mostre indigno de a ela pertencer.

É o que assinala Pinto Ferreira em seus Comentários à Constituição Brasileira:

"A falta de decoro parlamentar é o procedimento do congressista atentatório dos princípios da moralidade, ofensivos à dignidade do Parlamento, maculando o comportamento do 'bonus pater familias' (...) Outro motivo mencionado na Constituição do País para a perda do mandato de deputado ou senador é o procedimento reputado incompatível com o decoro parlamentar. É, então, um poder discricionário que tem a Câmara de expulsar os seus membros, quando sua conduta venha a ferir a própria honorabilidade da Assembléia. Conquanto o deputado ou o senador tenha todas as condições para continuar em seu cargo, a própria Câmara ajuíza que ele é indesejável ou intolerável, surgindo a cassação como uma medida disciplinar".

2- O momento do início da condição de deputado, de seus direitos e seus deveres

Para a análise dos fatos envolvendo o deputado Hanna Garib são necessárias algumas observações a respeito do mandato parlamentar.

A condição de deputado tem início o com o ato da diplomação, pois é a partir dela que o eleito tem o direito assegurado à posse, e está autorizado a gozar de suas prerrogativas parlamentares.

A Constituição do Estado de São Paulo, na Seção II, intitulada "Dos deputados", assegura no artigo 14 a imunidade parlamentar ao deputado desde a expedição do diploma.

Com efeito, diz o artigo 14 do nosso texto constitucional:

"Artigo 14 - Os Deputados são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos.

Par. 1o : Desde a expedição do diploma, os membros da Assembléia Legislativa não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente sem prévia licença do Plenário".

O artigo 15 da Constituição Estadual prossegue estabelecendo proibições aos deputados desde a expedição do diploma:

"Artigo 15 - Os Deputados não poderão:

I- desde a expedição do diploma:

a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público..." etc.

Finalmente, o artigo 16 de nossa Constituição estabelece que:

"Artigo 16 - Perderá o mandato o Deputado:

I- que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II- cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;", etc.

Assim, se o deputado, a partir daquele ato de diplomação, passa a desfrutar das prerrogativas inerentes aos parlamentares, ou seja, dos bônus decorrentes do mandato, da mesma forma também passa a se sujeitar aos ônus dele decorrentes, como por exemplo o de ter comportamento compatível com a ética e o decoro parlamentar.

O texto constitucional é incontroverso. Trata como Deputados ou membros da Assembléia Legislativa todos aqueles que receberam a diplomação de deputados.

Neste sentido, cabe-nos dizer que é certo que, com o nascedouro da condição de deputado, não se estabelece apenas uma relação entre o eleito e o eleitor, quando o eleitor verá ou não realizada sua perspectiva de estar bem representado pelo eleito. Nasce também um liame político e administrativo entre aquele que se elegeu e o Corpo Legislativo que passa a integrar.

A Assembléia Legislativa, através do que preceitua a Constituição e o seu Código de Ética e Decoro Parlamentar, poderá punir com suspensão ou perda do mandato o deputado que perpetre atos indignos, indecorosos, ímprobos e até mesmo criminosos. E, como vimos, deputado ele será , constitucionalmente, desde a expedição de seu diploma.

Do exposto, tem-se que o fato ensejador da quebra do decoro parlamentar tem ultratividade em relação ao início de uma Legislatura, ou seja, é possível que um parlamentar perca o seu mandato por procedimento incompatível com o decoro parlamentar verificado antes do início da Legislatura, após a diplomação.

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu este direito do Parlamento no Mandado de Segurança 21.102-DF, cuja clareza do voto do Ministro Sepúlveda Pertence merece ser transcrita:

"... O diploma certifica o direito à posse, em relação aos titulares, e à situação jurídica dos suplentes, em razão do processo eleitoral. Se fato superveniente alheio ao processo eleitoral, pode afetar, como efetivamente pode, o direito ou a situação jurídica dele resultante, o poder de verificar a alteração e dar-lhe conseqüências toca à direção da Casa Legislativa, em razão de sua competência para a convocação e a posse".

A interpretação do texto constitucional da responsabilidade ética e política do parlamentar com a Assembléia Legislativa desde a sua diplomação é clara e inequívoca.

Por tudo o que vimos, o poder de extirpar os maus parlamentares é uma prerrogativa constitucional do Poder Legislativo em defesa da honorabilidade da Instituição. O Parlamento tem o poder e o dever de se resguardar como uma "casa de bem" e assim ser vista pelos cidadãos. Ele deve (e tem os poderes para) se preservar enquanto Instituição permanente voltada ao bem público, subordinada aos princípios da legalidade, moralidade e outros definidos no Título III da Constituição Paulista quando trata da Organização do Estado. E, como também vimos, a participação do membro na Instituição se dá, sem qualquer dúvida, a partir da sua diplomação.

Assim devemos nortear-nos ao examinar os fatos relacionados ao Deputado Hanna Garib e ao concluir a respeito.

II- Os atos ilícitos atribuídos ao deputado Hanna Garib

1) Os atos ilícitos atribuídos ao deputado Hanna Garib na Administração Regional da Sé

O hoje Deputado Hanna Garib, diplomado em 18 de dezembro de 1998, praticou, pelo menos até o mês de janeiro de 1999, inclusive, inúmeros ilícitos penais, civis e administrativos conforme as provas verificadas no âmbito deste Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

O deputado Hanna Garib exercia o poder de fato na Administração Regional da Sé e chefiava o esquema de arrecadação de propinas.

A Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Municipal de São Paulo, instaurada para averiguar as irregularidades praticadas nas atividades de fiscalização, cessão e licenciamento, chegou às seguintes conclusões principais especificamente no que diz respeito à regional da Sé e ao Deputado Hanna Garib:

"Exercendo o poder de fato do seu mandato de Vereador, controlando a Administração Regional da Sé por muitos anos, tanto na composição de seus cargos principais como na sua ação administrativa, Hanna Garib era, indiscutivelmente, o principal coordenador e o maior beneficiário do esquema de arrecadação de propinas. De modo notório utilizou seu mandato para a prática de atos de corrupção, concussão e formação de quadrilha, aferindo vantagens econômicas diretas".

Ainda no que diz respeito a esta CPI da Câmara Municipal, é necessário acrescentar as demais conclusões, a que chegou o relatório das investigações sobre a Administração Regional da Sé, e que dizem respeito ao objeto deste processo:

"a) suspeita, com veementes indícios, de chefiar e participar da arrecadação de propinas de ambulantes e comerciantes, em conluio com servidores e terceiros, na área da Administração Regional da Sé; e prossegue o Relatório: " As provas obtidas ao longo da presente investigação são robustas, no sentido de demonstrar a participação direta eativa do deputado e ex-vereador Hanna Garib no esquema de arrecadação de propinas".

Nas suas conclusões finais daquele Relatório Parcial II, os vereadores integrantes da CPI da Câmara Municipal decidiram encaminhar o Relatório a esta Assembléia Legislativa em face de, entre outras conclusões, ter identificado quanto ao deputado Hanna Garib:

"a) falta de decoro parlamentar, pelo fato de ter constituído, comandado e se beneficiado economicamente de esquema de arrecadação de propinas na Administração Regional da Sé, em situação de crime continuado, inclusive após o período em que foi diplomado como deputado estadual;".

"b) suspeita de co-autoria, conivência ou participação em atos de intimidação de denunciantes e testemunhas; e prossegue o Relatório: "Embora fique evidente que testemunhas, pessoas acusadas de terem participado do esquema e seus próprios advogados foram ameaçados e pressionados para que não denunciassem o esquema, não existe, até este momento uma prova conclusiva capaz de envolver o deputado Hanna Garib em tais iniciativas. Os indícios, porém, são fortes."

"c) suspeita de utilização indevida de mandato eletivo para uso da máquina administrativa em proveito próprio; e prossegue o Relatório: "Também resta provado que o atual deputado Hanna Garib utilizou o seu mandato eletivo para obter da ação da Administração Regional da Sé que controlava, vantagens pessoais indevidas e imorais".

A CPI chegou a estas conclusões em face da profusão de depoimentos que comprometiam o deputado Hanna Garib com aquelas práticas ilícitas e de provas documentais.

Antes de passar a aspectos relevantes deles, é preciso fazer algumas considerações sobre o valor das provas testemunhais.

Como este Conselho já havia expresso em seu Relatório da Apuração Preliminar, a própria expressão prova testemunhal já diz, tratar-se antes de tudo de prova. Assim não há que negar-se o seu valor, a sua indispensabilidade, haja vista que os fatos delituosos e sua autoria são esclarecidos, via de regra, pelas pessoas quetêm conhecimento direto ou indireto a seu respeito. O valor da prova testemunhal não deve ser aferido antes de tudo pela idoneidade pessoal da testemunha, que sem dúvida auxilia na formação da convicção daqueles a quem compete avaliá-las. O valor deve ser aferido sobretudo pelo seu enquadramento no conjunto probatório.

Vejamos aspectos de vários destes depoimentos na CPI da Câmara Municipal e na Polícia Civil, além de um dossiê encaminhado ao Ministério Público. Vejamos ainda, ao final desta parte, declarações no mesmo sentido feitas neste Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

Em depoimento à CPI da Câmara Municipal de São Paulo, o sindicalista e camelô José Ricardo Teixeira da Silva declarou, conforme o Relatório Parcial II, aprovado por aquela CPI: "Tem certeza absoluta que os acertos de propina eram feitos pelo Vereador Hanna Garib. Viu várias vezes os fiscais no gabinete dele. Chegou a ser expulso do gabinete do Vereador". Afirma ainda que o Gilberto da Santa Ifigênia, um tal de Sombra (Paulo César Matos), e outras pessoas citadas em seu depoimento comentavam o pagamento de propina para o vereador Hanna Garib.

O funcionário municipal Carlos Aparecido da Silva confessou à CPI que participou da máfia da propina e que seus integrantes comentavam que a propina chegava até o vereador Hanna Garib. Na Polícia Civil ele havia declarado: "É certo que o dinheiro que Zé Preto e Marinho (funcionários municipais) arrecadam vai para Hanna Garib".

A secretária da Associação dos Camelôs Independentes de São Paulo, Missae Tamashiro, revelou à CPI da Câmara Municipal ser amiga do deputado Hanna Garib e ter trabalhado na campanha dele em 1996. Confessou que levou três vezes dinheiro para o gabinete do vereador Hanna Garib e o entregou para Antônio Libânio de Melo, assessor do vereador.

O microempresário do setor de segurança, Lúcio José dos Santos, declarou à CPI da Câmara Municipal, conforme seu Relatório Parcial II: "O pagamento de propinas vem sendo arrecadado em cerca de cinco a seis anos". E acrescentou: "Havia uma arrecadação específica destinada ao Vereador Hanna Garib, cuja arrecadação era feita pela D. Sandra".

A ambulante Geni Alexandra da Silva declarou à CPI da Câmara Municipal, conforme o Relatório Parcial II: "Qualquer problema a respeito de mudança de ponto ou transferência de área, o ambulante obrigatoriamente precisava de uma autorização expressa, verbal ou escrita, do gabinete do Vereador Hanna Garib".

A vendedora ambulante Rita de Oliveira declarou à CPI da Câmara Municipal de São Paulo que o acerto semanal da propina era na sexta-feira e que neste dia o vereador Hanna Garib pegava a sua parte num restaurante.

O comerciante José Roberto Savione declarou à CPI que outro comerciante, Nelson Canelói, pagava propina e fazia doações para a campanha eleitoral de Hanna Garib.

O proprietário da empresa de segurança Luar, Luiz Antônio da Silva, afirmou à Polícia Civil e à CPI da Câmara Municipal de São Paulo que, no final de 1995, procurou o vereador Hanna Garib para que a Administração Regional parasse de apreender as barracas de camelôs. Segundo ele, este exigiu R$ 3.000,00 por semana para que a Regional cessasse a sua ação. O acerto terminou sendo feito em R$ 2.000,00 por semana. Luiz declarou então que passou a entregar diretamente ao vereador Hanna Garib este dinheiro todas as segundas feiras, no gabinete do vereador e até no banheiro da Câmara Municipal quando no gabinete havia muitas pessoas. A fiscalização não mais atuou na forma anterior e as barracas deixaram de ser apreendidas. Este esquema de propina teria cessado quando da abertura de uma CPI na Câmara Municipal de São Paulo sobre a Regional da Sé.

O ex-policial militar, Arnaldo de Moraes Neto, que cuidava da segurança das barracas de camelô durante a noite na região central de São Paulo, confirmou na Polícia e na CPI as declarações de Luiz Antônio da Silva, e afirmou ter presenciado por mais de uma vez oportunidade a entrega do dinheiro do vereador Hanna Garib.

O falecido ex-presidente do conselho consultivo do Sindicato dos Permissionários em pontos fixos nas vias e logradouros públicos , Soluamarte Emídio Cruz, deixou com sua esposa um dossiê, encaminhado ao Ministério Público, em 1998, onde acusa o deputado Hanna Garib de várias práticas ilícitas, entre elas arrecadação de dinheiro para que as bancas ficassem montadas nas ruas à noite, ou para que se instalassem, ou para que não fossem perturbadas, desvio de mercadorias apreendidas aos camelôs, expulsão de ambulantes após cobrança de propina de lojistas, etc. Entre as pessoas apontadas como pagadoras de propinas ele citava um Sr. Nelson que operava com carrinhos de cachorro-quente na região central, um Sr. Gilberto do viaduto Santa Ifigênia, que, como depoentes na Polícia Civil, na CPI da Câmara Municipal e neste Conselho de Ética confirmaram informações do dossiê. Também, entre os acusados de sociedade ilícita com o então vereador Hanna Garib pelo Sr. Soluamarte, estão o Sr. Jô, presidente da Associação dos Comerciantes do Brás e Antônio Alberto Alves, ambos largamente citados nesta condição por inúmeras testemunhas ouvidas nos procedimentos das diversas instituições.

O funcionário público municipal José Raimundo dos Santos declarou à Polícia Civil: "todas as semanas, quando o Vagner preparava os envelopes (com a propina) havia um que era para o Hanna Garib". Em suas declarações feitas em 14 de março de 1999 ele diz: "Eu comecei a ver envelope com o nome dele há um ano e meio".

O presidente da Associação dos Ambulantes do Viaduto Santa Ifigênia, Gilberto Monteiro da Silva, segundo o Relatório Parcial II da CPI da Câmara Municipal "Confessou que arrecadava R$ 30.000,00 (trinta mil reais) por mês. E também que o destino final da arrecadação da propina arrecadada dos ambulantes irregulares, era para o gabinete do Vereador Hanna Garib".

O funcionário público municipal, Wagner Leonardo, segundo o Relatório Parcial II, aprovado na CPI da Câmara Municipal de São Paulo, declarou que : "Para o Vereador Hanna Garib repassava de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais) a 200,00 (duzentos reais)" semanalmente. E, mais adiante o Relatório diz: "Depois confirmou que um dos envelopes com dinheiro da propina tinha o nome do Vereador Hanna Garib. Aliás, somente o nome de Garib. Uma parte da propina também era entregue a Pierre".

A esposa de Wagner Leonardo, Amazília Lopes Rodrigues Leonardo, declarou à CPI que fazia anotações do dinheiro da propina arrecadado, e anotava inclusive a parte que cabia ao vereador Hanna Garib. Inúmeras vezes viu envelopes com dinheiro endereçados ao vereador Hanna Garib.

O dono de pontos de venda de cachorros-quentes na região da Sé, Nelson Augustaitis, segundo o Relatório Parcial II da CPI da Câmara Municipal: "Frisou também que o Vereador Hanna Garib era conivente com o esquema de arrecadação de propinas". Ele ainda declarou à CPI da Câmara Municipal de São Paulo que o vereador Hanna Garib era conivente com o esquema de arrecadação de propinas. Que em reunião sobre o assunto com o vereador Hanna Garib este não se opôs à propina, mas sim se irritou que ela às vezes fosse paga em cheque pré-datado.

Já dizia, sobre a influência do deputado Hanna Garib na Administração Regional da Sé, o Relatório da Apuração Preliminar deste Conselho de Ética, anterior ao Relatório da CPI da Câmara Municipal:

" Muito embora o deputado negue ter interferido nas atividades da Administração Regional da Sé e afirma apenas ter atuado junto a entidades de bairro e de comerciantes daquela região, muito embora o deputado tenha negado durante sua oitiva perante este Conselho ter indicado João Bento para administrar a AR-Sé, bem como ter qualquer influência sobre a administração daquela regional, é necessário esclarecer que seu depoimento vai contra abundantes provas de testemunhas. Entre elas, o ex-secretário municipal de Vias Públicas, Alfredo Mário Savelli, que declarou para a polícia: "O João Bento foi colocado na Regional da Sé como pessoa ligada ao Hanna Garib"; José Renato Coelho de Oliveira, supervisor de atividades de Vias Públicas, também declarou: "Ele (Hanna Garib) detém a regional. Ele manda na regional". Vagner Leonardo, funcionário público municipal, que diz na polícia a respeito de Gilberto Monteiro da Silva, líder dos ambulantes no viaduto Santa Ifigênia: "Com o Gilberto do viaduto ninguém mexe, porque ele tem esquema com os vereadores e o Garib".

Outros testemunhos nesta direção foram colhidos neste Conselho de Ética:

Disse o líder dos camelôs do Brás, Afonso José da Silva, sob o enfoque do seu bairro, que: "Tudo funcionava em trio. Como era esse trio? Os comerciantes bancavam financeiramente o então Vereador Hanna Garib, que por sua vez nomeava o administrador, Dr. João Bento. Este, por ser nomeado, ficava submisso às ordens do então vereador (...)". E, prosseguiu: "Dentro da Regional da Sé existe a Comissão Permanente dos Ambulantes, que consta da Lei 11089. Essa comissão, na verdade, era para grego ver. Só podiam participar dela pessoas que tivessem compromisso político com o então Vereador Hanna Garib, pois lá dentro era um verdadeiro comitê."

O ex-camelô Hamurabi Pereira de Oliveira declarou a este Conselho quando perguntado sobre a influência do então Vereador Hanna Garib na Regional da Sé: "A influência que ele tinha era total, porque praticamente entre a Regional da Sé e o Brás - posso responder pelo Setor do Brás, que é onde convivi e não pela Sé -existiam praticamente duas prefeituras: a Prefeitura de São Paulo e a prefeitura do Jô e do Garib".

O funcionário público municipal Wagner Leonardo declarou neste Conselho, quando perguntado sobre Pierre Salloun el Nahoum, coordenador dos fiscais da Administração Regional da Sé, e acusado de arrecadar propinas: "Quando ele se apresentou na regional da Sé para trabalhar conosco, o próprio Sr. Alberto falou que foi a mando do Hanna Garib quando vereador. Ele disse que foi a mando dele para trabalhar conosco como nosso supervisor." E prosseguiu: "O Sr. Alberto sempre foi linha de frente para tudo naquela Regional". Wagner Leonardo declarou na Polícia que entregava semanalmente dois envelopes com dinheiro para Antônio Alberto Alves, encarregado do depósito da Administração Regional da Sé e, segundo ele, amigo íntimo do deputado Hanna Garib. Disse ele: "Um envelope era para o Alberto e outro ia para o Garib". Na CPI da Câmara Municipal declarou que para o vereador Hanna Garib repassava de R$ 150,00 a 200,00, e que um dos envelopes da propina dividida tinha o nome de Garib.

O presidente da Associação dos Camelôs Independentes de São Paulo, e líder dos camelôs do Viaduto Santa Ifigênia, Gilberto Monteiro da Silva, declarou neste Conselho que: "Eduardo Namen era uma pessoa de confiança do Garib e foi colocado na Regional da Sé para ajudar a Dra. Leda Brandão, que era supervisora de rua, fazia apreensão". "Auxiliava ela nas apreensões do rapa e da fiscalização". "Então foi na época da primeira CPI que foi afastada a Dra. Leda Brandão, foi afastado o Namen e depois desses afastamentos veio o Pierre". Ainda sobre Eduardo Namen diz: "era obrigado a dar propina para ele, senão o sistema não funcionava". "O sistema é toda essa máfia que está aí afora...". A respeito de Pierre, à pergunta se ele recebia dinheiro, respondeu: "O Pierre recebia. O Pierre também foi uma pessoa que pressionou muito para poder levar dinheiro". "Queria dinheiro, porque o homem é poderoso, se não arrumasse dinheiro o homem acabava tirando todo o pessoal do Viaduto". "O homem ao qual me referia era o vereador na época, hoje deputado, Vereador Hanna Garib". Mais adiante, a respeito da influência do deputado Hanna Garib sobre o administrador regional da Sé, João Bento, disse o depoente ao Conselho de Ética: "Porque uma vez estando eu no gabinete do Vereador Hanna Garib, falando de um dos fiscais que estavam pegando propina lá na Rua 24 de Maio, o próprio Garib pegou o telefone e ligou para o João Bento, dizendo o seguinte: 'Olha, João Bento, se você não está resolvendo p... nenhuma, desculpa a palavra, se você não tomar uma atitude e não resolver essa situação da rua eu tiro você, você sai daí'. Então se ele não tivesse uma influência junto ao João Bento, ele não iria falar uma coisa dessas". Mais adiante disse: "Vejo que a situação da regional da Sé era comandada pelo Garib". Sobre Antônio Alberto Alves, chefe do depósito da Regional da Sé, o depoente falou ao Conselho: "Ele era um homem também de uma ligação muito forte com o vereador". Perguntado se Alberto também recebia propina, declarou: "Recebia, é lógico que recebia". Perguntado sobre algum pedido direto de propina ao depoente feito pelo deputado Hanna Garib, negou, afirmando no entanto ter o deputado lhe pedido algumas coisas, e exemplificou: "Uma vez ele me pediu um celular, eu dei, mas como provar que eu dei um celular?". Mas, declarou na Polícia Civil e na CPI que o assessor Antônio Libânio de Melo recebia a propina semanal, sendo que R$ 500,00 era para o vereador Hanna Garib. Declarou ainda, tanto neste Conselho quanto na CPI da Câmara, que a proteção do vereador Hanna Garib garantia a permanência do comércio ambulante do viaduto Santa Ifigênia, que era por ele controlado.

Por derradeiro, é preciso ser ressaltado que no caso sob análise, o conjunto probatório não se encontra formado apenas pelas provas testemunhais. Isto porque, foram juntados aos autos, cópias de diversos talonários de cheque com seus respectivos canhotos que foram apreendidos do Sr. Nélson Augustaitis, e que eram utilizados para pagamento de propina no esquema da Administração Regional da Sé.

Destas cópias extraem-se os nomes e valores destinados aos beneficiários das propinas pagas pelo Sr. Nélson Augustaitis, sendo que em um dos canhotos há a inscrição do nome "Garib" associado ao valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Além disso, há em inúmeros canhotos a inscrição do nome Alberto, associado a quantias variadas, que vão desde R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) a R$ 2.000,00 (dois mil reais).

2) O esquema de arrecadação de propinas no qual estava envolvido o deputado Hanna Garib prosseguiu até após a sua diplomação

Sobre a continuidade do esquema de arrecadação de propinas até depois da diplomação do deputado Hanna Garib e sobre a participação do deputado nestas atividades ilícitas, o Relatório da Apuração Preliminar do Conselho de Ética diz:

"Muito embora o deputado tenha negado durante sua oitiva perante este Conselho conhecer os fiscais José Roberto da Rocha Reis, o Zé Preto, e Marinho Zildo dos Santos, é preciso salientar que, conforme denúncia do Ministério Público de 12 de fevereiro de 1999, durante cerca de um ano, até 29 de janeiro de 1999, data da prisão em flagrante de alguns camelôs, era arrecadado de cada camelô da Rua Santa Ifigênia a quantia de R$ 20,00 (vinte) a R$ 30,00 (trinta) por semana, cerca de R$ 2.000,00 semanais, dinheiro este entregue a Marinho e Zé Preto, com a participação de Carlos Aparecido da Silva, tudo para que a fiscalização não impedisse o comércio ilegal dos ambulantes. Segundo a denúncia, havia uma Coordenadoria Geral que recebia o dinheiro ilegalmente, e, no topo desta Coordenadoria estaria o administrador regional da Sé e o deputado Hanna Garib. Assim, o próprio Carlos Aparecido da Silva declarou que: "É certo que o dinheiro que Zé Preto e Marinho arrecadavam vai para Hanna Garib"; no mesmo sentido são aos depoimentos de Marinho e Zé Preto, afirmando que entregavam o dinheiro da propina a pessoa de confiança do então vereador Hanna Garib".

O Relatório Parcial II, aprovado pela CPI da Câmara Municipal de São Paulo, é enfático quanto à continuidade das ações ilícitas do deputado após sua diplomação:

"Resulta claro, a partir das provas obtidas ao longo da presente investigação parlamentar que o fato de Hanna Garib ter sido diplomado deputado estadual, em nada alterou a atuação do esquema de arrecadação de propinas ao longo do ano de 1999. Pelo contrário: a arrecadação de propinas continuou, dentro dos mesmos métodos de atuação e, ao que tudo indica, na mesma intensidade e com o mesmo despudor.

Como prova disso, devem ser considerados os depoimentos de Amazília Lopes Rodrigues Leonardo, Vagner Leonardo, Carlos Aparecido da Silva e Nelson Augustaitis que afirmama existência do pagamento de propinas, dentro do mesmo 'modus operandi' do esquema comandado por Garib, ainda no ano de 1999, ou seja, após a sua diplomação como deputado estadual".

Sobre o depoimento de Nelson Augustaitis diz o Relatório Parcial II da CPI:

"Ele ainda expôs que sua esposa testemunhou vários encontros com o Vereador Hanna Garib na Câmara e na sede da Regional da Sé, na época em que controlava a Regional. De acordo com Augustaitis, o último encontro aconteceu em final de janeiro passado, pouco tempo antes da prisão do chefe do depósito Alves, que seria o responsável pela cobrança da propina. Depois da prisão dele, a caixinha deixou de ser cobrada".

Algumas testemunhas ouvidas neste Conselho de Ética e Decoro Parlamentar confirmaram em suas declarações que o esquema de arrecadação de propinas, no qual envolvem o deputado Hanna Garib, prosseguiu até fins de dezembro de 1998 ou até janeiro de 1999, inclusive.

O depoente Afonso José da Silva declarou a este Conselho que a arrecadação de propinas entre os comerciantes do Brás para que a Regional da Sé reprimisse os camelôs na região vinha de 1995 e prosseguiu até a data de 5 de fevereiro de 1999, quando ele e outros camelôs foram à TV Globo denunciar o que ocorria.

O depoente Daniel Ferreira de Faria afirmou a este Conselho que a arrecadação semanal de propinas entre os comerciantes do Brás prosseguiu, segundo o seu conhecimento, até o final de dezembro de 1998, quando cessou de fazer 'bicos' na Associação dos Comerciantes do Brás, na qual trabalhara com carteira profissional assinada até meados de outubro daquele ano.

O depoente Nelson Augustaitis disse a este Conselho quando ouvido que pagara propina até o mês de janeiro de 1999, inclusive. Que cessara de fazê-lo em face da prisão de Antônio Alberto Alves, responsável pelo depósito da Administração regional da Sé, a quem entregava semanalmente os valores.

A depoente Amazília Lopes Leonardo declarou a este Conselho que, em face da prisão de Marco Antônio Zeppini, da Administração Regional de Pinheiros, duas semanas antes do Natal de 1998 parara de anotar em agenda própria os valores do esquema de propinas do qual participava seu marido, e que os fiscais não queriam mais prosseguir o trabalho de rua temerosos com os reflexos sobre seus esquemas das investigações que se seguiram. Não esclarece porém se a arrecadação de propina deixara de ocorrer.

Gilberto Monteiro da Silva, líder dos ambulantes do Viaduto Santa Ifigênia, declarou em resposta a uma pergunta sobre quando parou o esquema de arrecadação de propinas: "Em dezembro". "Dia 25, depois do Natal, quando começou o problema de Pinheiros eles começaram a se afastar". "Em janeiro não houve mais este achacamento. No Viaduto, na Rua Santa Ifigênia é outra situação, outro problema".

Com efeito, em 29 de janeiro de 1999, ocorreu na Rua Santa Ifigênia a prisão em flagrante dos vendedores autônomos Aparecida Martins Santiago e Adriano Martins Santiago, que, semanalmente, durante cerca de um ano, vinham recolhendo dinheiro dos camelôs para entregá-lo aos fiscais da Prefeitura de São Paulo, José Roberto da Rocha Reis, Marinho Zildo dos Santos e Carlos Aparecido da Silva. Conforme declarou Carlos Aparecido da Silva à Polícia Civil e à CPI da Câmara Municipal de São Paulo, parte do dinheiro ia para o deputado Hanna Garib. Ele declarou mais que a última partilha foi feita em janeiro de 1999. Ainda declarou que, em janeiro de 1999 o Vereador Hanna Garib recebeu valores de propina para tratar das bancas instaladas no Viaduto Santa Ifigênia.

3) A formação de quadrilha ou bando, o conceito de crime permanente, e a existência de crime organizado

As reiteradas declarações de testemunhas de variada origem, especialmente vendedores ambulantes e funcionários públicos municipais, dão conta do envolvimento do deputado Hanna Garib em atos ilícitos que, sob o aspecto penal, configuram crimes de formação de quadrilha, peculato, concussão, corrupção passiva, advocacia administrativa.

O deputado HannaGarib é apontado como um dos comandantes da chamada "máfia da propina", esquema de corrupção existente na administração pública do município de São Paulo, e, no que diz respeito ao deputado, notadamente na Administração Regional da Sé.

Há na área da Administração Regional da Sé ainda indícios de que a arrecadação de recursos para sua campanha a deputado estava vinculada à contrapartida de ações da Regional contra os camelôs, que materiais apreendidos destes eram desviados para atividades de campanha, e que também tinha em parte esta finalidade o dinheiro obtido de propinas, tudo configurando crimes eleitorais.

A eclosão das investigações do Ministério Público e da Polícia Civil nos inícios de dezembro, quando da prisão em flagrante de concussão do funcionário da Administração Regional de Pinheiros, Marco Antônio Zeppini, colocou de sobreaviso e aumentou as cautelas dos agentes criminosos da chamada "máfia da propina" em toda a Administração da Capital. Mesmo assim, ele prosseguiu, como veio a demonstrar nova prisão em flagrante, ocorrida em 29 de janeiro de 1999, agora de camelôs que agiam como intermediários dos fiscais na arrecadação ilícita na Rua Santa Ifigênia.

A partir daí, os esquemas criminosos, ressabiados, passaram a hibernar, à espera certamente de dias mais propícios. Como disse o funcionário municipal Carlos Aparecido da Silva à CPI da Câmara de São Paulo: "em janeiro de 1999 foi feita a última partilha". Ou como disse, à CPI, Amazília Lopes Rodrigues Leonardo, esposa de outro funcionário municipal: " em janeiro do corrente ano (1999), com a instalação da CPI não ouviu falar mais em propina". Certamente ao dizer "com a instalação da CPI" ela se referia ao início das investigações da Polícia Civil e do Ministério Público na Regional da Sé, onde trabalhava seu marido. Ou ainda como disse, também à CPI, o dono de inúmeras bancas de ambulantes, Nelson Augustaitis, referindo-se ao esquema de arrecadação de propinas: "Este sistema vigorou de 1996 até janeiro deste ano (1999)".

Não há dúvida, que no caso, havia uma quadrilha, conforme a descrição típica prevista no artigo 288 do Código Penal Brasileiro:

"Quadrilha ou bando

Artigo 288- Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos."

Nelson Hungria define este crime como "reunião estável ou permanente (o que não significa perpétua), para o fim de perpetração de uma indeterminada série de crimes".

A lei pune a aliança permanente e estável independentemente dos crimes que venha a praticar. O acordo de vontades existente para esta 'sociedade para delinqüir' reflete apenas um ato preparatório, elevado à categoria de crime autônomo, em razão do perigo que representa e do alarme social que provoca, como diz Heleno Fragoso. O crime se consuma no momento associativo, no mínimo de quatro pessoas, sendo necessário que a associação se traduza por atos e organização.

Como assentou o ex-ministro do STF, Paulo Brossard: "O crime de quadrilha é consumado pela simples associação estável e permanente para delinqüir, gozando de autonomia e independência em relação à prática de outro crime". Ou ainda como diz outro ex-ministro do Supremo, Rafael Mayer: "No crime de quadrilha há uma associação de pessoas para prática de crimes. Constitui infração permanente, crime autônomo, que independe dos crimes que vieram a ser cometidos pelo bando, conforme a exata exegese do artigo 288 do Código Penal". E, ainda, como diz acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por se tratar de crime permanente, a quadrilha ou bando "pressupõe uma ação ilícita contínua, que acarreta uma consumação prolongada no tempo, por dias, meses, ou anos".

O conceito de crime permanente pertence à doutrina, referindo-se a ele como uma característica essencial ao tipo de quadrilha ou bando.

Há ainda, no entanto, a considerar a possibilidade da figura do crime continuado, sobre a qual o Código Penal diz o seguinte:

"Crime continuado

Artigo 71- Quando o agente, mediantemais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços".

A figura do crime continuado, no Código Penal, diferente da figura de quadrilha ou bando, volta-se essencialmente para a definição da pena. Ela é na verdade um benefício ao réu, pois unifica as penas, e assim as abranda. Como escreve o juiz Costa Manso, de nosso Tribunal de Alçada Criminal: o instituto do crime continuado "há de ser observado com rigor para que a unificação das penas não venha a se constituir um prêmio deferido a delinqüentes profissionais". Ou como escreve o juiz Leite Cintra, do mesmo TACrim: É "certo que, aquele que faz da prática de crimes seu meio de vida, consumando inúmeras infrações, em circunstâncias diferentes, perpetra, na verdade, crimes reiterados, reveladores de alta periculosidade, não merecendo, por isto, o benefício de ver a pena abrandada, muito menos a unificação das reprimendas fixadas".

De qualquer forma, para que haja crime continuado, portanto para que os delitos subseqüentes sejam havidos como continuação dos delitos antecedentes, deve haver uma vinculação reciproca e por nexo específico entre os delitos. Se não houver este liame falar-se-á então de crimes reiterados, onde então não ocorre a unificação das penas. Assim diz o juiz Bento Mascarenhas, de nosso TACrim: "A própria idéia de continuidade, efetivamente, pressupõe o elo de ligação da conduta delituosa inicial às subseqüentes, verificadas estas pelo ensejo ou oportunidades propiciadoras da primeira conduta, sendo tal incompatível com práticas delitivas independentes e autônomas, ainda que relacionadas a delitos da a mesma natureza e numa seqüência temporal".

Portanto, se as condutas ilícitas atribuídas ao deputado Hanna Garib constituem crime permanente, reiterado ou continuado é questão a ser dirimida na Justiça, no caso de processo criminal após denúncia eventualmente ofertada pelo Procurador-Geral de Justiça. O que nos importa neste caso sob análise deste Conselho de Ética e da Assembléia Legislativa é que as diversas testemunhas atestam que as práticas criminosas atribuídas ao deputado vêm se estendendo ao longo dos anos, pelo menos desde 1996.

É verdade que há uma testemunha que relaciona o deputado Hanna Garib com fatos delituosos anteriores ao ano de 1996. Tal relação é feita por Soluamarte Emídio Cruz, que tinha sido presidente do Conselho Consultivo do Sindicato dos Permissionários, e que deixou antes de sua morte, em 1998, o "Dossiê da Máfia e da Corrupção da Administração Regional da AR-Sé". Esta testemunha alerta que a existência de uma CPI em 1995 sobre a Administração Regional da Sé fizera naquele momento retrair-se a sociedade para o crime. Porém, passado aquele momento, ela voltou com toda força e com vários tentáculos.

As 15 testemunhas de origem diversa, em especial camelôs e funcionários públicos, que acusam o deputado Hanna Garib de chefiar a que se convencionou chamar de 'máfia da propina' da Administração Regional da Sé, bem como a prova documental acostada aos autos, consubstanciada na cópia de um canhoto de talonário de cheques pertencentes a Nelson Augustaitis em que consta o nome de "Garib" associado ao valor de R$ 1.000,00 (mil reais), embasam a nossa convicção de que efetivamente o deputado participou de uma sociedade criminosa, durante largo tempo, até as recentes investigações do Ministério Público, da Polícia Civil, e da CPI da Câmara Municipal, que a desbarataram.

As declarações em contrário do deputado, isentando-se totalmente de qualquer influência administrativa na Regional da Sé, ou de qualquer interferência na nomeação de pessoas, não resistem até às próprias testemunhas que buscam lhe ser favoráveis.

É o caso do ex-secretário de Vias Públicas, Alfredo Mário Savelli, que declarou à Polícia Civil: "OJoão Bento foi colocado na Regional da Sé como pessoa ligada ao Hanna Garib", e do ex-supervisor de Vias Públicas, José Renato Coelho de Oliveira que confirmou a influência administrativa de Hanna Garib na Regional, afirmando na Polícia: "Ele (Garib) detém a Regional. Ele manda na Regional". A influência em si não é nenhum ilícito. Porém, a negativa neste sentido do deputado, para não se envolver em acontecimentos, estes sim ilícitos, subtrai a credibilidade de suas negativas.

O mesmo acontece em face das declarações do ex-coordenador da fiscalização daquela Regional, Pierre Salloun el Nahoum. Este reconhece que quem o apresentou ao administrador João Bento foi seu amigo Hanna Garib, ao passo que este nega. Não porque fosse ilícito indicá-lo para o cargo, mas, certamente para não se comprometer com suas ações.

A mesma falta de credibilidade nas declarações do deputado Hanna Garib há de transparecer em outros momentos. Como naquele em que nega conhecer Antônio Alberto Alves, o chefe do depósito da Regional da Sé. Alberto porém o contradita. Afirma que se conhecem há vários anos, e confirma que participaram juntos de uma reunião com Nelson Augustaitis e João Bento, além de se encontrarem outras vezes. E Alberto é sua testemunha de defesa. Imagine-se se não o fosse.

Ainda é difícil crer que o deputado não conheça a Bernardo Nascimento, o Piauí. As testemunhas que os viram juntos e que atestam que Piauí fazia propaganda eleitoral de Hanna Garib trazem mais credibilidade pelas circunstâncias a que se referem, em confronto com o desgaste na credibilidade das afirmações do deputado Hanna Garib em outras negativas inaceitáveis, como as que vimos anteriormente. Neste caso também deve pesar bastante a busca de distanciamento de pessoa envolvida no crime de tentativa de homicídio contra Afonso José da Silva.

Também o episódio do dinheiro arrecadado entre os comerciantes do Brás para a campanha eleitoral corrói a credibilidade das declarações do deputado Hanna Garib. As afirmações de Daniel Ferreira de Farias, no contexto de outras declarações na mesma linha, merecem credibilidade maior. No entanto, parece o deputado fugir do que seria um crime eleitoral, e que poderia repercutir na caracterização de outros crimes, como o de advocacia administrativa, concussão e corrupção passiva.

Se nega completamente relações com Alberto e com Piauí, se só as aceita parcialmente com Pierre, não as nega no entanto com João Bento, Antônio Libânio de Melo, com Jô Dawalibi, com Eduardo Nemem, com Gilberto Monteiro da Silva, com Euclides de Oliveira, todos acusados por várias testemunhas de integrantes do esquema de propinas que vigorava na Administração Regional da Sé.

Alberto, Pierre, Euclides, Libânio, João Bento, Eduardo, Jô Dawalibi, Gilberto, todos são insistentemente vinculados pelas testemunhas ao esquema de propinas e a Hanna Garib. Aqui as testemunhas indicam residir o núcleo principal da 'sociedade para delinqüir'. A eles se acrescentam outros nomes, que podem não ter relação direta com Hanna Garib - ao menos não ficou provado - mas que se vinculam à sociedade criminosa através de membros importantes. Assim, Alberto constitui, segundo as testemunhas, uma figura intermediária chave da arrecadação da propina. A ele se vinculam inúmeros fiscais de rua, como Wagner Leonardo, José Raimundo dos Santos, Carlos Aparecido da Silva, José Roberto da Rocha Reis, e outros. Mais outras figuras-chave: Antônio Libânio de Melo, Pierre Nahoum , Jô Dawalibi, com a qual se relacionam várias figuras como Gilberto Monteiro da Silva, Missae Tamashiro, Piauí, alguns policiais militares, outros fiscais e ambulantes.

Conforme diz bem a decisão do desembargador Amador da Cunha Bueno Neto, ao acolher as solicitações do Ministério Público de quebra de sigilo bancário e fiscal do deputado Hanna Garib e de outros: "Há nos autos indícios suficientes de ocorrência de ilícito penal, consistente este na obtenção, por parte de funcionários municipais e terceiros, de importâncias recebidas de camelôs e ambulantes que atuavam no centro da cidade. Aprova, melhor dizendo, não é apenas indiciária. Observe-se que diversas foram as testemunhas dando conta de uma verdadeira quadrilha que extorquia numerário a troco de assegurar o trabalho dos camelôs". Mais adiante, prossegue o desembargador: "Figura como elemento de destaque dado seu prestígio como vereador, o atual Deputado Estadual ainda não empossado Hanna Garib, citado em quase todos os depoimentos, e nas anotações da chamada 'escrita da extorsão'."

Consta da denúncia apresentada pelo Ministério Público em 12 de fevereiro de 1999 contra alguns integrantes do esquema de propina: "Organizaram-se os denunciados em bando, para o cometimento de crimes contra os comerciantes informais do centro da Cidade, exigindo de forma continuada, vantagens indevidas, sendo que, dentro da organização do bando, cada denunciado teve conduta previamente estipulada". E prossegue a denúncia: "o nascedouro da atividade criminosa consta ser a indicação do administrador regional da AR-Sé. O deputado estadual Hanna Garib consta ser a pessoa que indicou o administrador regional daquela AR, sendo assim quem manda na regional. O coordenador geral das apreensões, Pierre Salloun el Nahoum recebia 'prestações de contas' da fiscalização e as quantias arrecadadas eram por ele repassadas a outros escalões. Pierre era apadrinhado por Hanna Garib, e posteriormente foi substituído no 'rapa' por Euclides de Oliveira.

Procedeu-se a um verdadeiro loteamento das ruas do centro da Cidade, sendo que as chamadas 'equipes volantes' passaram a extorquir de camelôs e ambulantes quantias variadas. Somente na 25 de Março, os implicados arrecadavam semanalmente de R$ 10.000,00 a R$ 12.000,00, com o conhecimento dos coordenadores gerais".

Tais evidências confirmam a existência da anarquização dos controles formais do comércio ambulante como uma forma de favorecimento de práticas ilícitas, a existência de um sistema organizado de corrupção e de favorecimento ilícito na AR-Sé, caracterizado pela instalação e manutenção de barracas fixas tidas por 'intocáveis por ordem superior', pela apreensão de mercadorias com formalização inadequada e pela liberação indevida de mercadorias no depósito da Regional, pela expedição de licenças falsas e pela existência de uma organização criminosa envolvendo o administrador regional, servidores municipais e ambulantes.

Neste sentido os depoimentos de Amazília Lopes Leonardo, do próprio Wagner Leonardo, de Afonso José da Silva, de Nelson Augustaitis e de Hamurabi Pereira da Silva, prestados ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

Os acontecimentos que levaram à dissolução desta quadrilha na Administração Regional da Sé foram alheios à sua vontade e decorreram da ação policial, do Ministério Público, da Câmara Municipal e do grande alarde feito pelos meios de comunicação. No entanto, se persistir a impunidade penal, administrativa e política, a sociedade criminosa pode voltar a se articular.

Seu caráter de permanência sem dúvida abrangeu o período pós-diplomação como deputado estadual de Hanna Garib. Assim o atestam os diversos testemunhos referidos neste Parecer.

As condutas delituosas atribuídas ao deputado, que, segundo testemunhas, atingem o ano de 1999, portanto após a sua diplomação, sejam elas permanentes, reiteradas ou continuadas, colocam-nos diante de uma personalidade cuja permanência entre os pares nesta Assembléia Legislativa deve ser objeto de julgamento pelo plenário.

Ainda sob o aspecto penal, é útil, antes de passar a outra questão, analisar a existência do chamado crime organizado nas atividades ilícitas ocorridas na Administração Municipal de São Paulo, nas quais as provas testemunhais envolvem o deputado Hanna Garib.

Segundo definiu,na Legislatura passada, a CPI do Crime Organizado, desta Assembléia Legislativa, as organizações criminosas mais complexas atuantes neste Estado, denominadas de crime organizado, apresentam as seguintes características:

"Elas têm a forma de empresa, com sede visível, registro nos órgãos públicos, relações com o fisco, hierarquia estável, custos e lucros previsíveis, atividades e negócios legais simultâneos às atividades e negócios ilícitos. Elas se articulam ou associam-se com outras organizações semelhantes. Elas utilizam a violência e a ameaça como meio, quando necessário em alguma fase de suas atividades. Elas contam com a participação de agentes públicos ou os influenciam corrompendo-os".

As conclusões da CPI do Crime Organizado ainda diziam: "Consideramos o conceito de quadrilha ou bando insuficiente para dar conta destas características".

O recente Relatório Parcial II da CPI da Câmara Municipal de São Paulo coloca em um de seus subtítulos: O Crime organizado e o roteiro da arrecadação da propina na Administração Regional da Sé. Naquele ponto, o Relatório considera que " este esquema de corrupção denunciado há quase quatro anos permaneceu atuando de modo intocado. E mais: ao que tudo indica, de modo mais articulado e com seu 'modus operandi' mais aperfeiçoado. E prossegue: "De fato, para melhor operacionalizar suas atividades ilícitas, criou um sistema de divisão de tarefas, articulado e com procedimentos de segurança para arrecadação de propinas".

Relacionando os diversos e complexos aspectos que assumiu a atividade criminosa articulada, na Administração Municipal de São Paulo, e na Administração Regional da Sé, conforme manifesto no Relatório referido da CPI da Câmara e nas peças referentes ao caso enviadas a este Conselho pelo Ministério Público e pela Polícia Civil, é importante destacar como eles se enquadram no que se denomina de crime organizado.

Em primeiro lugar, elas se desenvolvem a partir de uma fachada legal, operando simultaneamente atividades legais e ilegais: no caso, o aspecto legal é dado pelos órgãos da administração pública, pelos cargos públicos, eletivos ou não, por associações de camelôs ou comerciantes, por empresas privadas. É a partir, e sob a capa desta legalidade, que são desenvolvidas as atividades criminosas. Há ainda uma hierarquia na atividade criminosa que reproduz normalmente a hierarquia das entidades legais: assim, o vereador e o administrador regional estão no topo da pirâmide; os chefes estão acima dos fiscais; os fiscais estão acima dos camelôs; entre os camelôs, o presidente da associação está acima dos associados. Há, finalmente, uma previsibilidade nos lucros criminosos e na distribuição deles, o que significa um 'custo' para seus chefes, pois, como dizem as testemunhas, havia um pagamento periódico de propinas, com datas e horários fixos, e com uma partilha estipulada a cada participante da organização.

Em segundo lugar, há uma articulação entre as diversas organizações que atuam nas diferentes regiões da cidade, feitas pelos integrantes entre si ou feitas através da associação dos chefes-vereadores no recinto da Câmara Municipal, protegendo-se mutuamente, inclusive procurando inviabilizar as investigações naquela Casa Legislativa.

Em terceiro lugar, variados são os casos de ameaça e violência relacionados com estas atividades criminosas organizadas, principalmente para impor a 'lei do silêncio' a seus participantes ou às testemunhas.

Em quarto lugar, é maciça a presença de agentes públicos, funcionários municipais e vereadores, nas organizações criminosas.

Diante de todas estas características de crime organizado, mais importante ainda tornou-se o posicionamento rigoroso dos órgãos públicos envolvidos ou encarregados da investigação em face dos participantes destas organizações criminosas. No que lhe toca, a Assembléia Legislativa de São Paulo tomou as devidas providências, até aqui através da Apuração Preliminar desenvolvida no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, através da Representação apresentada pela Mesa ao Conselho, e através da fase investigatória que, encerrada, deu ensejo a este Parecer.

4) As acusações de atos ilícitos cometidos em favor do deputado Hanna Garib durante as últimas eleições

Poderíamos até dizer que a interpretação que estabelece a diplomação como o início dos direitos-deveres do deputado, é uma interpretação conservadora. Isto porque, a nosso ver, poderia o parlamento expurgar de seu meio aqueles parlamentares que cometeram atos indecorosos e incompatíveis com a instituição mesmo antes de sua diplomação, desde que os fatos tenham vindo a público após as eleições, elidindo assim a possibilidade de os eleitores julgarem o candidato de posse de informações essenciais a respeito de sua conduta, e a possibilidade de a Justiça Eleitoral impedir que a diplomação se efetivasse.

Ainda, na mesma direção desta interpretação mais ampla, o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Assembléia Legislativa de São Paulo ( Resolução 766, de 16.12.94), traz uma extensão específica deste princípio da temporalidade, quando em seu Artigo 4o, coloca o abuso do poder econômico pelo deputado durante o processo eleitoral entre as ações incompatíveis com a ética e o decoro parlamentar, e que podem ensejar a perda de seu mandato.

Seria impedir a autodefesa da honorabilidade da Instituição, assegurada constitucionalmente, se restringíssemos a punição do abuso do poder econômico no processo eleitoral apenas aos deputados que já exerciam seus mandatos e eram candidatos à reeleição. Se assim fosse, a Assembléia teria que suportar a convivência de deputados que cumpriram os mandamentos éticos e legais durante o processo eleitoral com eventuais novos deputados que à Casa teriam chegado descumprindo-os. Ou ainda, a Instituição poderia punir o deputado reeleito e não poderia punir o deputado eleito, mesmo que ambos tivessem incorrido nesta mesma infração ao Código de Ética e Decoro Parlamentar.

Evidentemente que não competiria nunca à Assembléia julgar a conduta no processo eleitoral do candidato a deputado não eleito, pois ele permanece completamente alheio a seus quadros, e, portanto, fora de sua prerrogativa de apreciação quanto à ética e ao decoro. Em tal caso, apenas à Justiça Eleitoral cabe apreciar e julgar seu comportamento.

No caso em análise do deputado Hanna Garib, há insistentes provas testemunhais do uso da máquina pública em proveito eleitoral próprio, o que caracteriza abuso do poder político.

Tal é o caso denunciado por Afonso José da Silva de que, durante a campanha eleitoral do ano passado, a sede da Administração regional da Sé transformou-se em um verdadeiro comitê eleitoral de Hanna Garib, sendo que somente pessoas vinculadas a sua campanha podiam fazer parte das reuniões que definiam a situação dos ambulantes.

Há também, segundo testemunhas que trazem notícias da campanha no bairro do Brás e na região do Centro, uma arrecadação ilegal de recursos para a campanha, uma vez que vinculada a uma contrapartida da administração pública - retirada dos camelôs ou permanência deles, conforme a fonte do financiamento da campanha estivesse entre os comerciantes ou entre os camelôs. Isto caracteriza abuso do poder econômico.

Há fortes indícios no sentido de que Jô Dawalibi, do Brás, arrecadou dinheiro de comerciantes do bairro para a campanha, em troca da retirada de camelôs da frente das lojas e de que mercadorias apreendidas e estocadas no depósito de apreensão da Regional da Sé tenham sido desviados para a campanha eleitoral de Hanna Garib.

Fávila Ribeiro, em seu livro "Abuso de Poder no Direito Eleitoral", ensina que o "direito eleitoral revela continuado propósito em garantir a vontade genuína do corpo eleitoral, através da qual pode germinar a representação política em sua autenticidade substancial". Observa, ainda, o ilustre jurista que o "abuso de poder proveniente do exercício de atividades públicas em sua expressão global acusava alentador declínio; voltou, no enquanto, a expandir-se em tamanha impetuosidade e freqüência, acarretando graves preocupações à lisura do processo eleitoral, por atingirem o núcleo mesmo da legitimidade concernente à representação política".

O processo eleitoral, portanto, deve desenvolver-se infenso à indevida influência do abuso de poder político e econômico, de modo que a vontade popular se expresse genuinamente e sem manipulação.

A eleição do deputado estadual Hanna Garib deu-se em circunstâncias que dão margem a formar uma convicção no sentido de que houve evidente abuso de poder político e econômico. O desbaratamento da quadrilha que dominou a AR-Sé, notadamente durante o período eleitoral de 1998, permitiu que viesse à tona o esquema criminoso em que Garib aparece como figura de destaque e principal beneficiário de atividades ilícitas praticadas por servidores públicos e terceiros em favor de sua candidatura a deputado estadual. Segundo as testemunhas, houve desvio de mercadorias apreendidas no depósito da AR-Sé em proveito da candidatura de Garib e arrecadação de recursos para sua campanha não declarados na prestação de contas em troca da atuação da fiscalização da AR-Sé contra ambulantes no bairro do Brás.

A lisura do processo eleitoral foi comprometida pelo abuso de poder político e econômico, prejudicando a sua autenticidade.

Fávila Ribeiro, uma vez mais, escreve sobre o tema: "Ao invés de ser disputada a confiança do eleitorado, creditada por precedentes realizações na vida pública, pelo vigor da autentica liderança política, por um trabalho de persuasão por afinidades de convicções, por solidariedades impregnadas, transformam-se em negócios com contraprestações pecuniárias".

O artigo 25 da Lei n. 9.504/97 diz que o partido que descumprir as normas referentes à arrecadação e aplicação de recursos fixadas nesta Lei perderá o direito ao recebimento da quota do Fundo Partidário do ano seguinte, sem prejuízo de responderem os candidatos beneficiados por abuso do poder econômico.

Hanna Garib, portanto, cometeu, durante a campanha eleitoral de 1998, abuso de poder econômico e político.

Tomando a igualdade como o princípio que generaliza as liberdades, conclui-se que foi eivada de ilicitude a campanha de Hanna Garib ao Parlamento estadual, tendo em vista que aproveitando-se de sua condição de vereador-"chefe" da Administração Regional da Sé, utilizou em proveito próprio a máquina administrativa municipal, haurindo vantagem eleitoral indevida em detrimento aos demais candidatos.

5) Sobre as acusações de constrangimento e violência contra testemunhas

Além da tentativa de homicídio de que foi vítima Afonso José da Silva, apenas alguns dias após denunciar o esquema de corrupção na televisão, ocasião em que acusou expressamente o deputado Hanna Garib de chefiar referido esquema, bem como de ser seu principal beneficiário, outros atos de ameaça e constrangimento foram praticados contra diversas testemunhas.

A advogada Maria Lígia Jannuzi afirmou, na CPI da Câmara Municipal, ter sido abusivamente pressionada pelo advogado do deputado Hanna Garib.

As testemunhas Afonso José da Silva, Geni Alessandra da Silva, Patrícia Martins Santiago, Daniel Ferreira de Farias, Carlos Aparecido da Silva, Rita de Oliveira e José Roberto Savioni relataram, em seus depoimentos à CPI da Câmara, terem sofrido algum tipo de ameaça e intimidação.

No Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, as testemunhas Afonso José da Silva, Hamurabi Pereira de Oliveira, Amazília Lopes Rodrigues Leonardo, Daniel Ferreira de Farias, Gilberto Monteiro da Silva e Manoel Luís Marques confessaram ter medo do que a eles pode acontecer, em razão de seus testemunhos.

Bem a propósito, é mister a transcrição das declarações de Hamurabi Pereira de Oliveira ao Conselho de Ética:

"Queria pedir que protejam as testemunhas, porque hoje, quando saí de casa para vir para cá, meus filhos choravam, dizendo: 'Pai, veja bem o que está fazendo.' E eu falei: 'Não é por mim que estou fazendo, mas por vocês.' Se eu morrer amanhã, não tem problema, mas terei cumprido um pouco do papel de cidadão brasileiro"

6) A fragilidade dos argumentos da defesa

Embora tivesse obtido no Poder Judiciário liminar para apresentar sua defesa escrita em 15 dias, prorrogáveis por mais 15, e de ter posado para fotos de jornais ao lado de processo de milhares de páginas (que continham os autos dos inquéritos policiais, as transcrições de depoimentos de testemunhas à CPI da Câmara Municipal, cópias de notícias de jornais, e cópia de 800 ofícios de autoria do então vereador Hanna Garib para a Administração Municipal, todas de conhecimento do deputado conforme atesta seu documento de defesa "Gharib Culpado ou Inocente Convite à Reflexão"), o deputado Hanna Garib apresentou defesa singela de duas páginas, mais uma em que arrolava testemunhas, alegando não saber de que estava sendo acusado.

Sobre o prazo de defesa, ainda em apreciação no Tribunal de Justiça, não há de que o deputado se queixar, uma vez que foi respeitada pelo Conselho o prazo de 30 dias por ele obtido em liminar. Sobre a especificação dos crimes, das vítimas e da ordem cronológica, já nos referimos acima.

Com relação às acusações, a Representação da Mesa, assinada pelo Presidente, 1o Secretário e 2o Secretário, vem, explicitamente fundamentada no Relatório da Apuração Preliminar do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, que a acompanha, onde são esclarecidos os atos e fatos imputados ao deputado Hanna Garib como ofensivos à ética e ao decoro parlamentar, para o oferecimento de sua defesa.

A Representação da Mesa é peça reservada aos deputados para iniciar apuração de conduta, sem ser denúncia, esta reservada ao Ministério Público. Basta-lhe seguir as normas regimentais, narrar os fatos de modo a permitir ampla defesa e contraditório, tal como o faz a Representação ao reportar-se, como peça dela integrante, ao Relatório da Apuração Preliminar do Conselho de Ética.

O Relatório descreve os atos ilícitos atribuídos ao deputado Hanna Garib, em especial sua participação marcante no esquema de propinas da Administração Regional da Sé, suas relações dentro deste esquema, e ainda ilícitos ocorridos durante o processo eleitoral, e as acusações de participação em ameaças e atentados a testemunhas. O Relatório destaca as acusações contidas em cada depoimento e situa tais eventos no tempo.

Não cabe pois a argumentação da defesa quanto à inépcia da Representação.

Não cabe também a alegação de qualquer cerceamento da defesa. O contraditório foi amplamente assegurado ao deputado na CPI da Câmara Municipal, onde todos os atos procedimentais foram acompanhados e tiveram a ativa intervenção dos advogados do deputado Hanna Garib. Nesta Assembléia Legislativa, na apuração preliminar do Conselho de Ética, os depoimentos dados à Polícia, os documentos do Ministério Público e da CPI da Câmara Municipal, as notícias da imprensa, foram, em seu mérito e forma, objeto de contestação possível do deputado Hanna Garib quando de sua oitiva neste Conselho. Por sinal, a oitiva se iniciou pela oportunidade aberta pelo Presidente do Conselho ao deputado Hanna Garib de usar da palavra como melhor lhe aprouvesse em sua defesa. No entanto, o deputado preferiu passar imediatamente às respostas de perguntas a serem feitas pelos membros do Conselho. Por isso, as provas produzidas nas outras instituições referidas, com as considerações acima expostas, são perfeitamente cabíveis para as conclusões deste Conselho de Ética.

Quanto ao argumento de que o deputado só está submetido a sanções por atentado à ética e ao decoro parlamentar após a posse, já discorremos longamente no início deste Voto do Relator, com base na Constituição Estadual e na doutrina, que o início da condição de deputado se dá com a diplomação. Não cabe, portanto, a interpretação dada ao Código de Ética, citado pela defesa em seu artigo 50, embora só possua 32 artigos.

Sobre o fato de não haver denúncia formulada contra o deputado Hanna Garib pelo Ministério Público, não poderia o Procurador-Geral de Justiça atestar algo diverso, vez que é recente o início do inquérito policial específico sobre os ilícitos atribuídos ao deputado Hanna Garib, o qual ainda não se encontra concluído, nem concluídas estão as diligências do Ministério Público sobre o caso.

Sobre a decisão da Mesa da Câmara dos Deputados a respeito do deputado federal eleito pelo Acre, Hildebrando Pascoal, cabem alguns comentários.

Recentemente, em 23 de fevereiro de 1999, a Mesa da Câmara dos Deputados, reuniu-se para deliberar a respeito das acusações imputadas ao deputado Hildebrando Pascoal, que iniciava seu primeiro mandato naquela Casa. Conforme Ata daquela reunião, o Sr. Presidente Michel Temer, lançou aos membros da Mesa a seguinte questão: "O parlamentar pode ser acusado de infringir o decoro parlamentar em razão de conduta anterior ao exercício do mandato ou de sua diplomação como Deputado Federal?". Veja-se que a questão é colocada com a mesma força para "antes do exercício do mandato" ou "antes da diplomação". Portanto, o presidente Michel Temer não tinha dúvidas de que os limites de julgamento sobre a quebra de decoro parlamentar estão no exercício do mandatoe na diplomação.

Embora o debate que se seguiu se referisse apenas ao período "anterior ao exercício do mandato", nenhum dos membros da Mesa discordou do balizamento proposto pelo presidente para a discussão.

No debate que se seguiu nota-se a predominância da preocupação política sobre a consistência probatória das acusações ao deputado e sobre os reflexos nas atividades do Congresso, em detrimento da preocupação de doutrina legal sobre a aplicabilidade temporal das normas de decoro parlamentar. Tanto que, o Corregedor e 2o Vice-Presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, embora lembre a opinião do jurista Miguel Reale, para quem o deputado pode perder o mandato se anteriormente ao exercício dele o maculou ou atuou de forma perniciosa à sociedade, preferiu propor uma Comissão de Sindicância para investigar a veracidade dos fatos atribuídos ao deputado Hildebrando Pascoal. As considerações que levaram ao não acolhimento da proposta do Corregedor vieram principalmente na linha do prejuízo político à imagem do Parlamento em se prolongar o debate da questão, atraindo as atenções para cassações, casos de polícia, e não para as atividades legislativas da Câmara. Em face destas considerações a Mesa preferiu a alternativa política de aguardar requerimento do Poder Judiciário de licença para o processo penal.

Da parte do Conselho de Ética, todos os procedimentos legais e regimentais foram adotados, possibilitando a ampla defesa do deputado em todas as fases do processo. O tratamento dado à defesa nas sessões do Conselho foi inclusive elogiado pelo próprio advogado do deputado Hanna Garib na última sessão da fase de coleta de provas que antecedeu à sessão em que será apreciado este Parecer.

No caso aqui analisado, foi o clamor popular que desde o início exigiu da Assembléia Legislativa a tomada de uma atitude, ao mesmo tempo em que exigia e exige da Câmara Municipal de São Paulo a conclusão de suas investigações, bem como a responsabilização dos envolvidos. As fortes razões políticas e a defesa do prestígio do Poder Legislativo foi que levaram o Conselho de Ética a abrir uma apuração preliminar sobre as acusações que pesam sobre o deputado Hanna Garib. Em face de suas conclusões, a Mesa houve por bem representar pela perda de seu mandato. E, concluídas agora a coleta de provas, com mais razão se depreende a necessidade de ação disciplinar do Poder Legislativo estadual, aplicável ao caso, como vimos, em face de se dar o início da condição de deputado a partir de sua diplomação, como bem o expressa a Constituição do Estado de São Paulo.

7) Conclusões

Com relação aos fatos relacionados ao Deputado Hanna Garib, tendo-se em vista todas as provas encontradas, restou patentemente demonstrado que o mesmo não teve comportamento compatível com a ética e ao decoro exigido de um parlamentar, como aliás passamos a demonstrar.

Em face das ilicitudes civis, penais e administrativas perpetradas pelo Deputado Hanna Garib, não resta a esta Casa outra alternativa senão, cumprindo com sua responsabilidade constitucional perante a sociedade, declarar a perda de seu mandato.

Até mesmo porque, os fatos envolvendo o nome do hoje Deputado Hanna Garib aos inúmeros ilícitos perpetrados, só vieram a conhecimento público após as eleições para Deputado Estadual, sendo certo que, em razão disto, os cidadãos do Estado de São Paulo não tiveram a oportunidade de expressar o seu "julgamento" sobre os mesmos. Estes fatos se estenderam a um período posterior à sua diplomação, quando então se colocaram sob a disciplina, as normas internas e o julgamento da Assembléia Legislativa.

Desta forma - em face de as investigações da Polícia Civil, do Ministério Público, da CPI da Câmara Municipal e deste Conselho de Ética comprovarem os ilícitos perpetrados pelo Deputado Hanna Garib - cabe a esta Assembléia Legislativa o poder-dever de excluí-lo de seu corpo, tendo em vista a reiterada prática de atos contrários à ética e ao decoro parlamentar.

Nesta esteira de raciocínio, constatado como restou no âmbito deste procedimento de competência do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, que o Deputado teve conduta incompatível com a ética e o decoro parlamentar, é certo que sua presença mancha a dignidade desta Casa, devendo por este motivo ser cassado o seu mandato.

Esse poder-dever é atribuição inerente aos poderes reservados ao Parlamento, dentro do sistema de divisão de Poderes, pois esta Assembléia Legislativa está obrigada a respeitar a ordem constitucional que lhe atribui responsabilidades na construção e na manutenção do Estado Democrático de Direito, sendo-lhe vedado omitir-se da defesa do interesse popular quando este, assim como no caso ora em exame, for atingido ou encontrar-se potencialmente ameaçado.

No presente caso, a par do abuso do poder econômico e político cometido durante o processo eleitoral em que Hanna Garib se elegeu deputado estadual, é preciso ser salientado que o deputado Hanna Garib continuou comandando o esquema de propinas e corrupção encontrado na Administração Regional da Sé, mesmo depois diplomado como deputado estadual, como aliás concluiu o relatório da CPI da Câmara Municipal sobre a referida Regional, e como concluiu a investigação levada a cabo por este Conselho de Ética.

Assim, é certo que o Deputado Hanna Garib teve comportamentos incompatíveis com a ética e o decoro parlamentar em virtude de ilícitoscivis, penais e administrativos praticados desde o ano de 1995, quando então ocupava o cargo de vereador do Município de São Paulo, até o mês de janeiro de 1999, quando já havia sido diplomado deputado estadual.

Portanto, tendo em visa o disposto nos artigos 55, II, da Constituição da República, 16, II, da Constituição Estadual, e 11, este do Código de Ética e Decoro Parlamentar, perde o mandato o deputado cujo procedimento é declarado incompatível com o decoro parlamentar.

Assim, frente à adequada exegese do conceito de decoro supra salientado, comprovado à saciedade que no caso em exame houve sua quebra. Afinal, não mantém o decoro o parlamentar quem pratica ilícitos civis, penais e administrativos; o parlamentar que é apontado como o coordenador principal de um esquema de propinas e corrupção que assolou os cofres públicos, obrigando que munícipes, por intermédio de relações improbas e criminosas verificada entre alguns responsáveis pelos atos do Poder Público vendessem, intermediassem ou fossem obrigados a pagar por condições de trabalho.

Estes fatos envolvem as Instituições. Este Conselho de Ética e Decoro Parlamentar e esta Assembléia não pode negar-se a agir ou se omitir frente a tudo isto.

Neste sentido, nunca é demais lembrar que Legislativo sem credibilidade constitui situação de real perigo para a própria estabilidade do Estado Democrático de Direito, pois se as leis emanarem de um Poder Legislativo contestado, condições objetivas de uma crise político-institucional se materializam.

Portanto, tendo em vista as provas abundantes, bem como a evasiva defesa apresentada, somos pela procedência da Representação da Mesa desta Assembléia Legislativa, com a conseqüente perda do mandato do deputado Hanna Garib.

Este é o nosso Parecer, a ser submetido ao Conselho de Ética para debates e para sua decisão, após ouvida novamente a defesa. Acolhido o Parecer por este Conselho, será então consubstanciado no respectivo Projeto de Resolução.

a) Elói Pietá - Relator

Aprovado o parecer do relator.

Sala das Comissões, em 23 de junho de 1999

a) CARLOS SAMPAIO - Presidente

Carlos Sampaio (com declaração de voto), Elói Pietá, Celso Tanaui, Luiz Gonzaga Vieira, Milton Vieira, Cícero de Freitas(com declaração de voto), Jorge Caruso, Wilson Morais, Carlos Braga(com declaração de voto), Rosmary Corrêa







Projeto de Resolução



Decreta a perda do mandato do Deputado Hanna Garib por quebra do decoro parlamentar.





A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo resolve:

Artigo 1.º - Decreta-se a perda do mandato do Deputado Hanna Garib, nos termos do artigo 16, II e § 1.º da Constituição do Estado de São Paulo, combinado com o artigo 5.º , bem como o 4.º , ambos do Código de Ética e Decoro Parlamentar desta Assembléia Legislativa.

Artigo 2.º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

a) Carlos Sampaio - Presidente

a) Elói Pietá - Relator

Wilson Morais, Milton Vieira, Cícero de Freitas, Celso Tanaui, Jorge Caruso, Rosmary Corrêa, Luiz Gonzaga Vieira, Carlos Braga

alesp