Bertha Lutz: bióloga paulista liderou luta pelo direito ao voto feminino no Brasil

Ativista defendeu a emancipação feminina durante toda a vida e foi uma das fundadoras da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, que resultou na conquista do direito ao sufrágio
03/11/2025 17:38 | Dia da Instituição do Direito ao Voto da Mulher | Gustavo Oreb - Fotos: Wikimedia Commons

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Bertha Lutz: bióloga feminista e deputada federal<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2025/fg355818.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Participação na Comissão Interamericana<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2025/fg355822.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Campanha pelo voto feminino em Natal<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2025/fg355820.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

"Recusar à mulher igualdade de direitos em virtude do sexo é denegar justiça à metade da população." Eternamente relevante, esse lema tradicional do movimento feminista brasileiro ajudou a mudar drasticamente os rumos da política nacional do início do século 20. A partir dessa mentalidade, que ganhava força na voz e nos textos de grandes líderes como a bióloga e ativista Bertha Lutz - autora do bordão -, direitos essenciais para as mulheres, como o voto e a licença trabalhista para gestantes, se espalharam pelos parlamentos de todo o Brasil.

A data simbólica comemorada no dia de hoje - 3 de novembro - como o Dia da Instituição do Direito ao Voto Feminino, relembra, em grande parte, o legado e a força de vontade que Bertha Lutz deixou, durante toda sua vida, para transformar a sociedade e a política brasileira num espaço para todos, eliminando a premissa excludente do início da República.

"Acredito que a própria constituição do país moldou essa realidade. O Brasil foi colônia de Portugal e se estruturou a partir de um sistema escravocrata e oligárquico. Uma sociedade patriarcal que se formou em torno da figura masculina, a qual o poder dos homens brancos era exercido brutalmente em todas as esferas e relações. Foi preciso um certo grau de modernização política e social para que pudesse haver abertura para as lutas e reivindicações dos grupos excluídos serem ouvidos", contextualiza a historiadora Mônica Horta.

Inspiração e atuação

Bertha Maria Júlia Lutz nasceu na cidade de São Paulo em 2 de agosto de 1894. Seus primeiros estudos foram na Capital paulista, mas seus cursos superiores foram concluídos na França. Ela se graduou em botânica, ciências naturais, zoologia, embriologia, química e biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de Paris, Sorbonne, em 1918. Mas, mais importante do que isso foi o contato que a jovem teve na Europa com o movimento feminista inglês.

Observando os coletivos de mulheres unidas pelas mesmas causas, organizadas e conquistando ativamente seus direitos, Bertha retornou ao Brasil com muito mais repertório para pavimentar o caminho da emancipação política feminina. Em 1919, de volta ao país, durante o movimento liderado pelo senador Justo Leite Chermont a favor do voto feminino, ela fundou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, apoiando e assumindo a liderança da campanha.

Algum tempo depois, em 1922, Bertha Lutz fundou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino, que substituiu a Liga de outrora, dando início à uma luta mais constante e direcionada pelo direito de voto para as mulheres. Sob a presidência da bióloga, a organização reuniu diversas associações estaduais e nacionais femininas. Dali em diante, o processo da conquista do direito ao voto evoluiu a partir da articulação das feministas com o campo social, político e intelectual do país.

"Após serem derrotadas institucionalmente no Senado, elas passaram a expor as contradições do sistema legal e fizeram campanha para o alistamento das mulheres para poderem votar nos estados", explica Mônica Horta. Bertha então percebe uma oportunidade de aplicar concretamente suas ideias quando o governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine de Faria, assina uma lei que permite o voto feminino no Estado. "Ela e outras feministas viajam ao estado para fazer propaganda em defesa do voto feminino, chegando a jogar panfletos de um avião defendendo sua causa", conta a historiadora.

Bertha Lutz ao lado do avião utilizado para distribuir panfletos em Natal-RN

A iniciativa rendeu uma grande repercussão dos nomes e ideias dos envolvidos em todo o país. Após todas as articulações, em 1928, é eleita a primeira prefeita da história do Brasil, Alzira Soriano, na cidade de Lajes, no Rio Grande do Norte, desafiando os poderes federais que não haviam ainda legalizado o voto e a candidatura de mulheres. Dado o primeiro passo, a campanha continuou a se espalhar pelos outros estados até que, finalmente, em 1932, o voto feminino foi conquistado e, em 1934, incorporado à Constituição Federal como facultativo.

Legado

Desfrutando do direito que tanto batalhou para conquistar, já nas eleições de outubro de 1934, candidatou-se ao cargo de deputada federal na legenda do Partido Autonomista do Distrito Federal, representando a Liga Eleitoral Independente, ligada ao movimento feminista. Depois da votação, ela conseguiu a primeira suplência e, em julho de 1936, ocupou uma cadeira na Câmara após a morte do titular, o deputado Cândido Pessoa.

No exercício de seu mandato parlamentar, Bertha Lutz atuou fortemente pela mudança da legislação referente ao trabalho da mulher e dos menores de idade. Entre suas propostas estavam a igualdade salarial, a isenção do serviço militar feminino, a licença de três meses a gestantes sem prejuízo de vencimentos e a redução da jornada de trabalho, que até então era de 13 horas. Ela permaneceu na Câmara até novembro de 1937, quando, na implantação do Estado Novo, foram dissolvidos todos os órgãos legislativos do país.

Mesmo com pouco tempo de atuação política na Câmara, seus projetos demonstram desenvoltura e relevância até hoje. "Ela apresentou projetos para a institucionalização da defesa e manutenção da autonomia feminina como a criação do Departamento Nacional e do Conselho Geral do Lar, do Trabalho Feminino, Previdência e Seguro Maternal. Também propôs o Estatuto da Mulher, uma revisão da jurisprudência brasileira e sua alteração no sentido da independência feminina", reforça Mônica Horta.

Além disso, Bertha Lutz se tornou presença constante em congressos internacionais sobre direitos humanos e da mulher. "Após a conquista do voto feminino, Bertha consolidou o seu papel político de destaque na luta em defesa do sufrágio feminino", diz a historiadora.

"Como consequência do seu trabalho no Brasil e suas relações políticas no exterior, Bertha recebeu apoio para participar da Conferência das Nações Unidas, em 1945. A Carta das Nações Unidas foi elaborada pelos representantes de 50 países presentes à Conferência da Organização Internacional, que se reuniu em São Francisco de 25 de abril a 26 de junho. Ela foi uma das duas delegadas que lutaram pela inclusão da igualdade de gênero na Carta, sendo uma das quatro delegadas a assinar um documento tão importante para o mundo", esclarece Mônica.

Em 1952, Bertha foi a representante do Brasil na Comissão de Estatutos da Mulher das Nações Unidas, criada por iniciativa dela. Em 1965, ela pôde ver o Código Eleitoral brasileiro equiparar o voto feminino ao masculino, concretizando enfim a missão que marcou sua vida.

Já em 1975 - Ano Internacional da Mulher -, integrou a delegação brasileira na Conferência Mundial da Mulher, promovida no México pela ONU (Organização das Nações Unidas), participando como delegada titular do Brasil da Comissão Interamericana de Mulheres. Um ano depois, Bertha Lutz faleceu aos 82 anos, vítima de uma pneumonia aguda. Seu legado, porém, perdura e se faz presente toda vez que é realizada uma eleição em solo brasileiro.

alesp