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Comissão de Constituição e Justiça - 16ª Legislatura


19/09/2007 - Audiência Pública - Dr. José Afonso da Silva

ATA DA DÉCIMA REUNIÃO ORDINÁRIA DA COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA, DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLATIVA DA DÉCIMA SEXTA LEGISLATURA.



Aos dezenove dias do mês de setembro de dois mil e sete, às quatorze horas e trinta minutos, no Plenário D. Pedro I da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, realizou-se a Décima Reunião Ordinária da Comissão de Constituição e Justiça, da primeira Sessão Legislativa da Décima Sexta Legislatura, sob a presidência do Deputado Fernando Capez. Presentes os Senhores Deputados Ana Perugini, Rui Falcão, André Soares, Davi Zaia, Antonio Salim Curiati, Maria Lúcia Amary (membros efetivos) e João Barbosa (membro substituto). Ausentes por motivos justificados, os Deputados Roque Barbiere e Baleia Rossi. Contando ainda com a presença dos Senhores Deputados Bruno Covas, Vitor Sapienza, José Bittencourt e Carlinhos Almeida. Havendo número regimental o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos. Pela ordem a Deputada Maria Lúcia Amary pediu a dispensa da leitura da ata da reunião anterior. Não havendo manifestação em contrário ficou dispensada a leitura da mesma, sendo considerada aprovada. Em seguida o Presidente passou a palavra ao convidado, Prof. Dr. José Afonso da Silva, Professor Livre-Docente em Direito Constitucional, Direito Econômico e Financeiro, Processo Civil, Direito Urbanístico e Direito Ambiental, que declarou-se honrado com o convite do Deputado Fernando Capez para esta reunião, com a finalidade de fazer uma explanação sobre: 1. Perspectiva e proposta para a ampliação da competência legislativa do Estado. 2. Projetos de lei de iniciativa: do Governador, do Presidente do Tribunal de Justiça e do Procurador-Geral de Justiça. 3. Projetos de lei que acarretam a redução de receita, isenção ou criação de tributos. 4. Projetos de lei que acarretam a modificação na carreira dos policiais civis e militares. Disse acreditar que a preocupação está especialmente voltada às limitações da atuação dos Deputados Estaduais e propôs como plano de trabalho fazer uma exposição prévia sobre as razões das limitações da competência do Estado e, conseqüentemente, dos limites de atuação do Deputado Estadual, após o que, se poderia fazer uma reflexão para verificar as dificuldade no sentido de modificar o quatro vigente. Acrescentou que, de fato, os Deputados estaduais têm seu campo de atuação duplamente limitado. De um lado, é limitado ao círculo de competência do Estado; de outro lado, só podem praticar atos que sejam de competência da Assembléia Legislativa. No Brasil, a autonomia dos Estados-membros não inclui a capacidade normativa de direito material nem do direito formal. Ou seja, o direito é de formação totalmente federal. O que resta aos Estados é muito insignificante, limitando-se praticamente a dispor sobre matéria financeira e administrativa. Por um lado, a Constituição enumera amplamente as matérias de competência exclusiva da União e indica as de competência dos Municípios, matérias, portanto, vedadas aos Estados, que assim ficaram espremidos entre a União e os Municípios. Sempre que se aumenta a competência da União ou dos Municípios, isso se faz em detrimento da área de competência dos Estados. É a Constituição Federal que fixa a zona de determinações e o conjunto de limitações à capacidade organizatória dos Estados. A autonomia municipal impõe ao Estado limites no tocante à organização dos Municípios, de vez que estes adquiriram capacidade de auto-organização, de modo que os Estados não podem senão indicar regras muito gerais sobre essa matéria. Outros preceitos constitucionais também impõem limites à liberdade organizatória dos Estados, citando como exemplo: o Constituinte Estadual pouco pode fazer senão transcrever os princípios determinados pela Constituição Federal em sua essência e ainda terão que segui-los na sua legislação ordinária e nas práticas governamentais, sob pena de inconstitucionalidade. A Constituição manteve a técnica que vem do direito constitucional norte-americano, de enumerar os poderes da União, cabendo aos Estados os poderes reservados, ou poderes remanescentes. A expressão poderes reservados ou competências reservadas é adequada à Federação americana, porque lá foram os Estados independentes que se uniram para a formação do Estado federal, abrindo mão de poderes soberanos, reservando, no entanto, o quanto entenderam satisfatório à sua existência autônoma. No Brasil não foi assim. O Estado unitário descentralizou-se em Unidades federadas autônomas, enumerando para o governo central (federal) os poderes que se entenderam convenientes, deixando o resto, a sobra aos Estados, na partilha das competências. As únicas competências explícitas para os Estados é a material comum com a União e Municípios (art. 23) e a legislativa concorrente, constante do art. 24. Mas esta competência legislativa concorrente ainda fica sujeita às normas gerais da União, conforme os §§ do art. 24 Constituição Federal.Tudo isso mostra o quanto é difícil ampliar a competência legislativa do Estado dentro dessa estrutura constitucional. A Constituição Federal plasmou, no seu texto, a configuração do Estado-membro, de modo tão amplo e tão rígido que não deixou lugar para inovações. Quer dizer que a ampliação pretendida só poderá ser conseguida com profunda reformulação do federalismo brasileiro, o que encontra óbices políticos de tal monta que dificilmente poderão ser vencidos, porque não há como ampliar essa competência senão retirando parte da União ou parte dos Municípios ou de ambos, que resistirão. A conseqüência é que também fica muito estreito o campo de atuação do Deputado Estadual. De um lado, é limitado ao círculo de competência do Estado, que pelo visto já é de si muito estreito, e não é sequer explicitado na Constituição estadual; de outro lado, só pode praticar atos que sejam de competência da Assembléia Legislativa, excluída, portanto, a área de competência do Governador. A função legislativa da Assembléia, portanto, é muito restrita, porque não lhe cabe a formação do direito material nem formal, que é da competência do Congresso Nacional, salvo em relação ao direito tributário, financeiro e orçamentário, assim mesmo suplementarmente. Da Constituição Federal decorrem dois tipos de iniciativa legislativa (art. 61): a concorrente e a exclusiva. A iniciativa legislativa concorrente que cabe aos parlamentares e ao Executivo, indistintamente, e a iniciativa legislativa exclusiva é aquela que se confere a apenas um órgão ou agente. Assim, a Assembléia Legislativa tem a iniciativa exclusiva das leis referidas no art. 24, §1º, da Constituição Estadual. O Tribunal de Justiça tem a iniciativa exclusiva das leis sobre as matérias referidas no art. 24, §4º, da Constituição Estadual, competência essa que já lhe é dada pelo art. 96 da Constituição Federal. A iniciativa exclusiva do Governador do Estado consta do art. 24, § 2º, da Constituição Estadual. A competência para a fixação e alteração do efetivo da Polícia Militar, ainda que por lei de iniciativa exclusiva do Governador, é bastante restrita, porque é da competência da União estabelecer, por lei federal, as normas gerais de organização, efetivos, materiais bélicos, garantias, convocação e mobilização das Políticas Militares e Corpos de Bombeiros Militares (art. 22, XXI). A Procuradoria-Geral do Estado não é mencionada na Constituição Federal, que só dispõe sobre o regime jurídico dos Procuradores do Estado. As Constituições dos Estados é que as instituíram. A de São Paulo, nos arts. 98 a 102, prevendo sua organização e competência por meio de uma lei orgânica em forma de lei complementar (art. 23, parágrafo único, 3). E o art. 24, § 2º, n. 3, da Constituição Estadual dá competência exclusiva ao Governador para a iniciativa dessa lei e de suas modificações. Seja como for a criação e a extinção de cargos na Procuradoria Geral do Estado, assim como o regime jurídico dos Procuradores do Estado há de ser de iniciativa exclusiva do Governador. A Constituição do Estado prevê a iniciativa legislativa do Procurador-Geral da Justiça, mas não especifica o objeto dessa iniciativa, nem sua exclusividade. A Constituição Federal (art. 128, §5º) dá aos Procuradores-Gerais de Justiça competência para a iniciativa da lei complementar sobre sua organização, atribuições e seu estatuto. Cada Constituição de Estado há de reconhecer ao seu Procurador-Geral da Justiça a faculdade para a iniciativa da respectiva lei complementar, como o art. 61 o fez em relação ao Procurador-Geral da República. As restrições à iniciativa de leis pelos parlamentares atingem também os Deputados e Senadores Federais, mas, para estes, ainda sobra amplo campo de atuação, porque não há restrições para a iniciativa de leis em matéria de direito civil, penal, processual, trabalhista etc. O problema é que os Estados só têm competência legislativa em matéria administrativa, tributária e financeira, exatamente onde ocorrem as restrições. É certo que falta explorar um pouco mais a área de competência concorrente (art. 24 da Constituição Federal), onde se encontrará algum campo que pode ser de iniciativa de Deputado Estadual, dando como exemplo o procedimento em matéria processual, acrescentando que nenhum Estado criou um código de procedimentos processuais. O predomínio da iniciativa governamental no processo de formação das leis é fenômeno que se constata no Estado contemporâneo num sentido quase universal. A iniciativa parlamentar se justifica no fato de serem as Casas Legislativas os órgãos incumbidos da função legislativa. Seria ilógico que, sendo-lhe atribuída essa função, não lhe fosse dado, também, a iniciativa das leis, que é o instrumento primordial da atuação do Poder de legislar. Apesar disso, as restrições a essa iniciativa crescem na medida do aumento do predomínio do Executivo. Quanto às restrições à capacidade de emenda dos Deputados Estaduais, basicamente só há restrição de emenda que importe aumento de despesas em projetos de iniciativa exclusiva do Governador (Constituição Estadual, art. 24, §5º) e nos projetos de lei sobre a organização dos serviços administrativos da Assembléia Legislativa, do Poder Judiciário e do Ministério Público. Esta limitação está estritamente de acordo com o disposto no art. 63 da Constituição Federal. Há também alguma limitação segundo o art. 175, §§1º e 2º da Constituição Estadual e art. 166, §§ 1º e 2º da Constituição Federal no referente a emendas no processo de formação das leis orçamentárias. As leis que acarretam a modificação na carreira dos policiais civis e militares são de iniciativa exclusiva do Governador, respeitadas as normas gerais federais, porque são servidores públicos estaduais, de sorte que a criação de cargos na política civil e na polícia militar, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria constituem matéria reservadas ao Chefe do Poder Executivo nos termos do art. 24, § 2º, nº. 1 e nº. 4 da Constituição do Estado, que está conforme com as letras "a" e "c" do inciso II do § 1º do art. 61 da Constituição Federal. Vale dizer, portanto, que os projetos dessas leis não comportam emendas parlamentares quando importem aumento da despesas prevista, como seria o caso de uma proposta de emenda que aumentasse os vencimentos propostos no projeto remetido pelo Governador. Com relação aos Projetos de lei que acarretam a redução de receita, isenção ou criação de tributos, o Dr. José Afonso da Silva lembrou que a Constituição revogada não admitia iniciativa de lei por parlamentares quando acarretasse redução de receita, isenção ou criação de tributos, porque estabelecia expressamente que era da competência do Presidente da República as leis que dispusessem "sobre matéria financeira". A Constituição Federal vigente não tem essa limitação, nem a Constituição do Estado de São Paulo a tem, concluindo-se, então, que se não há limitação constitucional, a iniciativa de lei sobre essa matéria é permitida aos Deputados Estaduais, assim como emendas a projetos de lei de outras iniciativas sobre tais matérias. Em seguida o Presidente passou a palavra aos Deputados presentes. Pela ordem, o Deputado Rui Falcão elogiou a fala do convidado, acrescentando que ele é conhecido como um homem que sempre levou em conta a lei, nunca violando os direitos humanos. Lamentou que a atuação do parlamentar tem sido engessada pelo texto constitucional, problema agravado pelo que chamou de "veto branco" do Executivo, que ocorre quando o Governador sanciona uma lei aprovada, mas não a regulamenta. Pela ordem, o Deputado Antonio Salim Curiati expressou seu desagrado, dizendo que o Poder Legislativo está sendo relegado a terceiro plano, com o Poder Executivo desconsiderando as leis aprovadas nesta Casa. O Deputado Bruno Covas levantou questão sobre a figura do projeto autorizativo e a Deputada Ana Perugini, sobre a competência do Poder Legislativo para sustar atos do Executivo que exorbitem o poder normativo. O Deputado Carlinhos Almeida perguntou se não fere o princípio da independência do Poder Legislativo o fato de os projetos em tramitação receberem pareceres de órgãos técnicos do Executivo, como os que tratam de estâncias e são submetidos à apreciação do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento das Estâncias (Dade). Respondendo aos Deputados, o Professor afirmou que a melhor maneira de equilibrar as competências entre os entes federativos é por intermédio da alteração do regime de governo para parlamentarismo. Sobre as leis que não são regulamentadas pelo Executivo, esclareceu que é prerrogativa do Legislativo fixar o prazo para regulamentação das leis aprovadas, acrescentando que elas deveriam entrar em vigor, deixando apenas as pendências para as quais a regulamentação seja essencial. Quanto aos projetos autorizativos, disse que é uma das competências do Legislativo exercer o controle sobre o Executivo, mas que a iniciativa do projeto deve partir do Executivo. Em relação à competência do Legislativo para sustar atos do Executivo, dúvida da Deputada Ana Perugini, o Professor disse que essa competência deveria estar disposta no Regimento Interno da Casa e sugeriu à Deputada que apresentasse tal sugestão à Mesa Diretora. A seguir o Senhor Deputado Fernando Capez, agradeceu a presença do Senhor Dr. José Afonso da Silva, acrescentando que a reunião foi uma verdadeira aula aos parlamentares. Nada mais havendo a tratar, o Senhor Presidente, Deputado Fernando Capez, declarou encerrada a reunião, que foi gravada pelo Serviço de Audiofonia, passando o teor da mesma, após transcrição, a fazer parte integrante desta ata que foi lavrada por mim, Marcos Sebastião de Oliveira, Agente Técnico Legislativo, que assino após Sua Excelência.

Aprovada em reunião de 03/10/2007.



Deputado Fernando Capez

Presidente



Marcos Sebastião de Oliveira

Secretário

alesp