Desrespeito aos direitos humanos de cortadores de cana é discutido na Assembléia

Avanço da monocultura no Estado preocupa trabalhadores, ambientalistas e parlamentares
30/08/2007 20:12

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Reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/COM DIR HUMAN OS MARIO A.GOMES AIRTON SIRAQUE  ATON MAU_0067.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Deputado Vanderlei Siraque e Aton Fon Filho <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/COM DIR HUMAN OS SIRAQUE E Aton Fon Filho (3)MAU.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, presidida por Vanderlei Siraque (PT), debateu nesta quinta-feira, 30/8, as condições de vida dos cortadores de cana-de-açúcar e as conseqüências do avanço da monocultura sucroalcooleira no Estado. O procurador público da 15ª região do Ministério Público do Trabalho, Mário Antonio Gomes, a presidente da Federação Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), Carlita da Costa, e o diretor da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Aton Fon Filh, denunciaram as condições de degradação humana em que vivem e trabalham essas pessoas. Participou da audiência pública, além dos deputados, o subsecretário da Agricultura e Abastecimento, Aírton Ghiberti.

Os depoimentos revelaram preocupação crescente entre os cortadores, sindicatos, Ministério Público do Trabalho, defensores dos direitos humanos e do meio ambiente, autoridades estaduais e municipais com o avanço da monocultura da cana com vistas à produção de etanol. Conforme declarações dos participantes, é engodo acreditar que será possível a produção de alimentos, a cargo dos médio e pequenos produtores, competir com os preços pagos à produção do biocombustível.

Encaminhamentos

O deputado Raul Marcelo (PSOL) foi o autor, junto com o deputado Rafael Silva (PDT), do requerimento para o convite ao secretário da Agricultura e Abastecimento, João de Almeida Sampaio Filho, e da realização da audiência para debater o assunto. O parlamentar fará um estudo preliminar com vistas às ações que a comissão pode realizar na elaboração de um diagnóstico sobre a situação desses trabalhadores rurais e na busca de possíveis soluções. Marcelo apresentará o estudo na próxima reunião ordinária da comissão, quinta-feira, 6/9. Quanto à ausência de Sampaio Filho, o deputado defendeu que a comissão faça agora uma convocação ao secretário.

Aírton Ghiberti, que representou o secretário na audiência, afirmou que a secretaria vem desenvolvendo políticas públicas no intuito de minimizar os abusos aos trabalhadores, que ele reconheceu como verdadeiros. "Ninguém aqui tem dúvidas de que o trabalho de cortar cana é extenuante", declarou ele. O desenvolvimento econômico derivado da produção de biocombustível e as condições especiais que colocam o Estado de São Paulo na vanguarda dessa produção também foram objeto da apresentação de Ghiberti, que informou que o governo estadual desenvolve projeto de protocolo social para garantir melhores condições de trabalho para a categoria.

"Senzala do século 21"

O presidente da comissão, deputado Vanderlei Siraque, depois de ouvir as denúncias, classificou as condições de vida desses trabalhadores como semelhantes às dos escravos no Brasil colonial e imperial, referindo-se à maneira como os cortadores são contratados, o excesso de trabalho a que são submetidos, a debilidade física e a morte conseqüentes.

Segundo a sindicalista e presidente da Feraesp, Carlita Costa, a situação dos cortadores é mais grave do que se pode pensar e o tempo de vida útil, ou seja, de trabalho efetivo é de, no máximo, 15 anos. "Ao final (desse período), os trabalhadores saem aleijados (pelo excesso de esforço)", afirmou a sindicalista. Costa disse ainda que a saúde dos cortadores é excessivamente desgastada porque ganham por produção, medida por toneladas de cana cortada diariamente, o que os leva a sempre aumentarem a quantidade das toneladas cortadas para elevar o salário. "Em Piracicaba, acoplamos computadores às balanças usadas pelas usinas e temos documentos comprovando que o peso é alterado. Os cortadores chegam a cortar 59 toneladas por dia, mas o registro marca no máximo 12. No final do mês, o trabalhador recebe R$ 600". O preço pago pela tonelada cortada é R$ 2,45, conforme informou o deputado Raul Marcelo.

"Há alojamentos muito piores (que os mostrados pelas fotos exibidas pelo procurador). Visitei um de trabalhadores de uma grande usina. Quatro pessoas dividiam um colchão de solteiro. Perguntei como faziam. Eles me explicaram que apoiavam o peito no colchão para proteger o pulmão e o restante do corpo ficava deitado no chão", relatou Carlita Costa.

O procurador Mário Antonio Gomes relatou parte do trabalho desenvolvido pelo MPT da 15ª região em conjunto com câmaras municipais, Vigilância Sanitária, prefeituras e sindicatos. Na região de Piracicaba há, segundo ele, um trabalho embrionário com a participação do Legislativo municipal, do MPT, da Vigilância Sanitária, prefeituras e sindicatos, que pode servir de modelo para a Assembléia tomar iniciativas que contribuam na melhoria de vida dos cortadores.

Gomes exibiu cd com fotos de alojamentos onde vivem esses trabalhadores, na região de Piracicaba. As imagens mostram de cinco a seis pessoas por cômodo com beliches em condições precárias, roupas em varais misturadas a bifes por falta de local adequado para armazenar alimentos e vestuário. Há fotos também de crianças dormindo no chão. O procurador disse ter mais três cds com imagens semelhantes que colocou à disposição dos parlamentares.

Mas estes não são os únicos problemas enfrentados pelos cortadores. Há ainda, de acordo com as declarações de Gomes, o "kit fraude", conjunto de contratos de trabalho com previsão de diversas situações que os trabalhadores, aliciados principalmente no Norte e Nordeste do país, assinam em branco. Os empregadores, pequenas empresas terceirizadas que intermedeiam a contratação de mão-de-obra das usinas, usam de acordo com suas necessidades, prejudicando e desrespeitando o direito dos cortadores.

O deputado José Zico Prado (PT), vice-presidente da Comissão de Agricultura da Casa, defendeu a realização de mais audiências e ações conjuntas que envolvam as diversas comissões que têm interface com o assunto.

O deputado Rafael Silva, que também é autor de pedido de CPI para investigar a queima da palha da cana, declarou que o único a ser beneficiado com o crescimento dessa cultura é o grande proprietário de terra, mas a sociedade como um todo e o meio ambiente só perdem. No entendimento do parlamentar, o país e o Estado paulista vivem um retrocesso histórico e que a cana é tão danosa ao meio social quanto o tráfico de drogas: em nenhum dos dois há futuro.

Para o deputado José Augusto (PSDB), a concentração da riqueza é um fato que acompanha o crescimento dessa monocultura. Segundo ele, em Ribeirão Preto, uma única família é proprietária das plantações de cana dominantes na região. Augusto disse também ser necessário remontar às causas do desrespeito aos direitos humanos dos cortadores. Quanto à terceirização, o parlamentar declarou que muitas prefeituras de todos os partidos adotam a prática das empresas para diminuir custos e que isso deveria ser debatido com maior profundidade.

alesp