A Escola Normal e a Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo

Divisão de Acervo Histórico
28/09/2004 14:15

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Atestado de boa conduta necessário à matrícula na Escola Normal e preservado no Acervo Histórico.<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/ESCOLA4.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Grupo de normalistas defronte o prédio da Escola Normal retratados em 15 de Novembro de 1889<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/ESCOLA~3.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Prédio da Escola Normal na Praça de República, inaugurado em 1894 e projetado por Ramos de Azevedo.<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/ESCOLA2.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Retrato de Manuel José Chaves, primeiro diretor da Escola Normal, feito por Belmonte.<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/ESCOLA1.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Constituição do Império do Brasil, outorgada em 1824 e reformada dez anos depois - quando se criaram os Legislativos Provinciais -, determinou a subordinação das Câmaras Municipais às Assembléias Provinciais. Assim, pelo "Ato Adicional" de 1834, como ficou conhecida a reforma, competia às assembléias provinciais, entre outras atribuições, legislar sobre a polícia e economia municipal, antecedida de propostas das câmaras sobre a fixação das despesas municipais e provinciais, e os impostos para elas necessários; sobre a repartição da contribuição direta pelos municípios da província; sobre a fiscalização do emprego das rendas públicas provinciais e municipais, e das contas da sua receita e despesa; sobre a criação, supressão e nomeação para os empregos municipais e provinciais, e estabelecimento dos seus ordenados.

Este acúmulo de prerrogativas em detrimento das cidades fazia com que as leis municipais, as chamadas "posturas", somente entrassem em vigor depois de aprovadas pela Assembléia. Do mesmo modo, os orçamentos de todos os municípios tinham de ser aprovados pelo Legislativo Provincial, e qualquer obra de maior monta também tinha de ser ali sancionada. Isto explica a razão pela qual há uma grande profusão de documentos referentes à história dos municípios na Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

Além desse controle sobre a vida de todos os municípios, o fato de ser a Capital da Província fazia com que a Assembléia Legislativa Provincial também se ocupasse em atuar na melhoria das condições da Imperial Cidade de São Paulo, como sua própria Câmara Municipal fazia questão de salientar em um ofício enviado à Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo em 4 de março de 1875: "Todas as províncias, mais ou menos, auxiliam as municipalidades de suas Capitais por motivos óbvios: é pelo estado de adiantamento, pelos melhoramentos que se observam na sede do governo provincial que se faz idéia do estado de prosperidade ou pobreza de uma província."

"Para não aprenderem o que não deviam saber"

A cidade de São Paulo nasceu e cresceu a partir de uma escola. Ao longo dos anos a educação ministrada pelos jesuítas era repassada pelos melhores alunos aos novos aprendizes. No entanto, com o passar do tempo, tal fórmula pedagógica revelava-se insuficiente para fazer frente às necessidades cada vez maiores que o desenvolvimento populacional e econômico impunha aos paulistas e paulistanos. É digno de nota o fato de que tal educação era voltada quase que unicamente aos homens. Embora no início do século XIX não fosse tão raro haver mulheres aprendendo a ler, muitos pais achavam inadmissível a idéia de ver suas filhas estudando, "para não aprenderem o que não devem saber".

Na época da independência do Brasil, já era uma idéia assente nos administradores públicos paulistas a necessidade da fundação de uma escola que formasse professores para dar fim àquela rudimentar forma de ensino vigente. Apesar da existência de uma série de iniciativas neste sentido, tomadas desde 1821 e tolhidas por fatos da conjuntura política, foi somente em 1846, a partir de um projeto de lei apresentado em 1843 pelos deputados João da Silva Carrão e José Ignacio Silveira da Motta, que se criou a Escola Normal. Este ato decorria também da uma das prerrogativas conferidas às Assembléias Provinciais pela reforma constitucional de 1834, que estabelecia a atribuição de legislar sobre "a instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, não compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos, academias atualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que para o futuro forem criados por lei geral".

A Lei nº 34, de 16 de março de 1846, que deu nova organização à escola de instrução primária da Província de São Paulo, determinou que o governo deveria estabelecer uma Escola Normal de Instrução Primária na Capital da Província. A lei aprovada pela Assembléia Legislativa Provincial de São Paulo estabeleceu que o curso ministrado pela Escola Normal teria dois anos de duração, não podendo seus alunos ter menos de 16 anos e "não mostrando-se em exame instruído na leitura e escrita". Além disso, determinava que o governo poderia conceder bolsa a até "dez cidadãos que, querendo dedicar-se ao magistério, tiverem falta de meios para freqüentar a escola normal", desde que apresentassem documentos "que comprovem a condição de moralidade" e se comprometessem a indenizar, caso fossem providos e "com o juro legal", mediante desconto mensal em seus vencimentos.

No curso seriam ministradas as seguintes disciplinas: "Lógica, gramática geral e da língua nacional, teoria e prática de aritmética, até proporções inclusive, noções gerais de geometria prática e suas aplicações usuais; caligrafia, princípios e doutrina da religião do Estado, os diversos métodos e processos de ensino, sua aplicação e vantagens comparativas". Embora a lei cogitasse até de se buscar professores na Europa, a Escola Normal funcionou com apenas um professor: Manuel José Chaves, catedrático de Filosofia e Moral do Curso Anexo da Faculdade de Direito de São Paulo.

Era uma escola de precárias condições, como deixava claro seu diretor em um relatório: "Possui parco mobiliário e utensílios de aula: um banco, uma pedra de geometria, uma mesa; inexistem dicionários, modelos de caligrafia e instrumentos para trabalhos de geometria prática". Ela tinha uma média anual de matrícula de quinze alunos e se estima que neste período tenha formado cerca de quarenta professores. A Escola Normal não possuía um regimento interno e estava subordinada à Inspetoria Geral da Instrução Pública. Ela destinava-se apenas a alunos do sexo masculino e funcionou em um prédio anexo à Sé, desde novembro de 1846 a julho de 1867, quando o professor Manuel José Chaves foi aposentado e a Escola Normal foi fechada sob a alegação de falta de recursos.

No ano de 1847 a Assembléia Legislativa Provincial, por meio da Lei nº 5, de 16 de fevereiro, aprovou a criação de uma Escola Normal de instrução primária para o sexo feminino, que funcionaria no Seminário das Educandas da Imperial Cidade de São Paulo. Originada do projeto de autoria do deputado Gabriel José Rodrigues dos Santos, apresentado no ano anterior, a lei determinava que o curso teria a duração de dois anos, com as seguintes matérias: "Gramática da língua nacional, teoria e prática das quatro operações de aritmética, princípio e doutrina da religião do Estado, a língua francesa, e música vocal e instrumental", aplicando-se as demais disposições da Lei nº 34, de 16 de Março de 1846. No entanto, se aqui os deputados provinciais paulistas sinalizaram um propósito de modernidade, ao estender ao sexo feminino a conquista do aprimoramento educacional, o conservadorismo daqueles tempos impôs a sua força: esta escola feminina jamais funcionou.

A segunda Escola Normal

A Escola Normal ressurgiu em 1875, como resultado da aprovação pela Assembléia Legislativa Provincial da Lei nº 9, de 22 de março de 1874, que reformou a instrução pública, destacando-se nela a instituição da obrigatoriedade do ensino primário para todos os menores, de 7 a 14 anos do sexo masculino, e de 7 a 12 do sexo feminino, "que residirem dentro de cidade em que houver escola pública ou particular subsidiada". Esta lei, resultante do Projeto de Lei nº 176, de 1870, determinou a recriação da Escola Normal com a finalidade de "habilitar os cidadãos que se destinarem ao magistério da Instrução Primária". Ao contrário do estabelecido anteriormente, a Lei de 1874 não definia o número de vagas, agora ilimitado, e mantinha a idade mínima de 16 anos, posteriormente aumentada para 18, para o ingresso no curso, e a duração de dois anos. Todavia, estabelecia maiores restrições aos candidatos: "que saibam ler, escrever e contar, sejam de moralidade notória, e não tenham enfermidades contagiosas nem defeitos que os inabilitem para o Magistério", devidamente comprovadas por atestados emitidos "pelo pároco e outras autoridades competentes".

Era estabelecida também uma taxa de matrícula anual, da qual estavam isentos os então professores públicos e os "indivíduos reconhecidamente pobres". As disciplinas foram divididas em duas cadeiras, uma por ano e cada uma ministrada por um professor, na seguinte conformidade: 1ª cadeira - Línguas, nacional e francesa, caligrafia, doutrina cristã, aritmética e sistema métrico, metódica e pedagogia, com exercícios práticos nas escolas públicas da Capital; 2ª cadeira - elementos de cosmografia e geografia, especialmente do Brasil, noções gerais de história sagrada e profana, especialmente do Brasil.

A Lei nº 55, de 30 de março de 1876, criou mais duas cadeiras - além de introduzir a disciplina de lógica, redistribuiu as demais disciplinas -, sendo, portanto, nomeados mais dois professores. O regulamento de 9 de maio de 1874, expedido pelo Presidente da Província de São Paulo, João Theodoro Xavier, detalhava o currículo e explicitava seus objetivos:

"No primeiro ano se explicará a gramática geral e especial da língua portuguesa, com indicação das modificações, que operam o gênero e índole do nosso idioma; serão analisados lógica e gramaticalmente os escritos clássicos em prosa e verso, fazendo a diferença de uma e outra forma de linguagem; resumir-se-á a história da língua e crítica de seus melhores escritores, concluindo-se com a exposição das regras de boa redação portuguesa, as quais os alunos aplicarão em composições literárias nos gêneros elementares. O ensino da língua francesa consistirá na leitura, tradução e análise gramatical de escritos clássicos, em prosa e verso. O ensino da aritmética será feito de um modo prático, ou tão filosoficamente quanto baste para mais esclarecimento dos processos de todos os cálculos numéricos, nos quais sobretudo devem os alunos ficar assaz destros. A exposição da doutrina cristã seguirá o método dos catecismos, apresentando primeiro as verdades de fé, depois os preceitos, os sacramentos, e enfim as orações. Em metódica e pedagógica, consistirá na exposição dos sistemas e métodos de ensino com suas vantagens e defeitos, e dos modos e processos especiais de comunicar a instrução em seus diversos graus, terminando pelos preceitos da educação física, intelectual e moral da infância, e pelas regras a observar no material das escolas primárias, sobre as condições de sua edificação, móveis, utensílios etc.

"No segundo ano, a cosmografia e geografia serão explicadas sobre as esferas e mapas, de modo que os alunos não só adquiram mais firmes conhecimentos, como para que fiquem habilitados a resolverem quaisquer cálculos astronômicos, como possam responder às questões de orientação e distâncias. Ao estudo da geografia de cada país precederá sempre uma notícia sucinta de sua história. As noções gerais de história sagrada consistirão no resumo dos fatos da vida do povo de Deus até o nascimento de Cristo; e os da história universal na exposição dos sucessos principais, que assinalam a marcha da civilização; a história pátria narrará os fatos principais e as épocas notáveis até a maioridade do Senhor D. Pedro II. Os exercícios práticos serão feitos em uma das escolas da Capital, para onde o Professor da matéria levará seus alunos, dando sucessivamente a cada um a direção dos trabalhos, para que lhes apliquem as regras estudadas, e irá retificando os erros que cometerem."

A Escola Normal, além dos seus quatro professores, era dirigida pelo Inspetor Geral e tinha dois empregados: um porteiro e um contínuo. As aulas tinham duração de 90 minutos, divididos entre a preleção dos professores e as lições dos alunos e, nos finais de semana, os professores exercitavam entre os alunos as matérias dadas. Na sala de aula havia um relógio "quotidianamente ajustado ao da Sé Catedral". Havia duras penalidades: dez faltas injustificadas e quarenta, ainda que justificadas, determinavam a perda do ano, pena aplicada também ao aluno que fosse apanhado "colando" em provas. Aos bons alunos, por sua vez, eram ofertados livros "de alguma matéria do respectivo ano, e elegantemente encadernados". Concluídos os dois anos na Escola Normal, o aluno aprovado em exames públicos em todas as matérias recebia um diploma de habilitação para professor público, independente de concurso.

A Escola Normal, finalmente, passou a aceitar alunos de ambos os sexos, os quais se dividiam em dois prédios: os alunos, à tarde, cursavam uma sala anexa à Faculdade de Direito de São Paulo e as alunas, pela manhã, o faziam no pavimento térreo do Seminário da Glória, antigo Seminário das Educandas. Todavia, mais uma vez, a Escola Normal foi fechada em 30 de junho de 1878. Nesta ocasião o Presidente da Província alegou que isto ocorreria "até que a Assembléia Provincial decretasse os fundos necessários para que pudesse funcionar em condições regulares". Mas seu ato, na verdade, era resultado das disputas políticas entre conservadores e liberais. Neste período de sua existência nela se matricularam 124 alunos e 90 alunas, dos quais receberam o diploma de habilitação, respectivamente, 27 e 17 estudantes.

A Escola Normal ressurge

Passada a turbulência política que deu causa ao fechamento da Escola Normal, logo a Assembléia Provincial passou a discutir nova proposta de reabertura. Durante esta discussão, os empresários do ensino George Nasch Morton e João Köpke, diretores de estabelecimentos de ensino masculino e feminino da Imperial de Cidade de São Paulo e também diretor do Colégio Internacional de Campinas e professor do Curso Anexo à Faculdade de Direito de São Paulo, respectivamente, apresentaram uma proposta ao Legislativo Paulista de "estabelecimento de uma Escola Normal Primária, subvencionada pelos cofres provinciais". Neste documento, datado de 18 de fevereiro de 1880 e conservado na Divisão de Acervo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, depois de constatarem que o "desenvolvimento intelectual da Província de São Paulo está muito aquém do material", em que era necessário estabelecer uma Escola Normal com um "programa desenvolvido", alargar os "escassos horizontes" da mocidade escolar e "elevar os salários ao educador de modo a recompor com justiça as fadigas de sua missão", afirmavam que era necessária a "criação de um instituto pedagógico, capaz de habilitar um corpo docente, digno de confiança, apto para ensinar com proveito e ilustrar-se a si mesmo pelos conhecimentos adquiridos", a fim de "mudar-se em rosicler o chumbeado véu que, até agora, paira no horizonte da sua rota intelectual".

Para tanto propunham que se lhes concedessem uma subvenção anual de quinze contos de réis para um curso de três anos, para o qual detalhavam um currículo para alunos e alunas, para as quais, além das matérias comuns, propunham "trabalhos femininos". Além disso, propunham que fossem habilitados com o grau de professor de 1ª classe os alunos que concluíssem o segundo ano e de professor de 2a classe os que completassem a Escola Normal, e que a Assembléia Provincial regulasse a questão da fiança, já estabelecida nas leis anteriores, mas de modo impreciso, que deviam prestar os professores já providos e que se matriculassem na Escola Normal.

No entanto, os deputados paulistas, embora até partilhassem de alguns dos diagnósticos apresentados pelos empresários, optaram por manter a formação dos professores primários sob a tutela do Estado, para o fazer em acordo com suas diretrizes. Para tanto aprovaram a Lei nº 130, de 25 de Abril de 1880, com base em um substitutivo de autoria do deputado e escritor Herculano Marcos Ingles de Souza, que estabeleceu um curso de três anos, composto de cinco cadeiras: "1. De gramática e língua portuguesa. Estudos práticos de estilo e de declamação; 2. De aritmética e geometria; 3. De geografia geral e de história do Brasil e especialmente da Província. História sagrada; 4. De pedagogia e metodologia, compreendendo exercícios da intuição. Doutrina cristã; 5. De francês e de noções de física e química". Estas, em 1884, foram ampliadas para oito cadeiras, resultado de uma realocação das disciplinas e o acréscimo das matérias de cosmografia e instrução cívica.

Também se criou um curso preparatório anexo à Escola Normal, com classe masculina e feminina. A Lei também afirmava claramente ser gratuito o curso da Escola Normal. E, mais importante, a Lei nº 130, de 25 de Abril de 1880, estabeleceu que depois de nove anos de reaberta a Escola Normal, "nenhuma cadeira primária poderá ser provida senão em professor normalista". Esta escola começou a funcionar em um prédio situado na Rua do Tesouro e em 1881 mudou-se para outro, na rua Boa Morte (então um prolongamento da rua do Carmo), que D. Pedro II qualificou de "pardieiro". Neste edifício, embora as classes fossem mistas, os alunos entravam por um portão nos fundos e as alunas, pela porta da frente.

O Regulamento de 1883

A Lei nº 130, de 25 de Abril de 1880, também deu um regulamento à Escola Normal, aprovado pela Lei nº 89, de 4 de abril de 1883. Tal regulamento, conservado nos arquivos do Legislativo Paulista, determinava, entre outras, que os alunos do terceiro ano fariam exercícios práticos no curso anexo e "para esse fim irão ver uma ve

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