6/6/1966: a queda do governador Adhemar de Barros, 45 anos depois


06/06/2011 16:06

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Presidente João Goulart<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/06-2011/adhemarjango ok.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Jânio Quadros cumprimenta Carvalho Pinto<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/06-2011/adhemar2ok.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Adhemar de Barros<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/06-2011/adhemarcapa ok se couber.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Adhemar de Barros toma posse como governador<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/06-2011/adhemarFOTO5ok.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Adhemar de Barros quando deputado estadual<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/06-2011/adhemar ok.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Adhemar Pereira de Barros nasceu em 22 de abril de 1901, na cidade de Piracicaba, segundo suas palavras, "nas barrancas do Rio Piracicaba". Médico formado com distinção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, laureado com medalha de ouro do Instituto de Manguinhos, e com o prêmio Visconde de Saboya, por ter ficado em primeiro lugar de sua turma em 1923, garantiu por sua classificação uma viagem de especialização à Europa, onde permaneceu por alguns anos realizando residência médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Berlim, na Alemanha. Realizou cursos de aperfeiçoamento em Paris, Londres, e em Viena. Retornando ao Brasil, passou a clinicar na capital. Com a eclosão da Revolução Constitucionalista, em 9 de julho de 1932, se alistou como médico, chegando à graduação de capitão servindo no Setor Norte, na denominada Zona do Túnel (da Mantiqueira), no Vale do Paraíba, sob as ordens do então coronel Euclides Figueiredo, pai do futuro presidente da República, general João Baptista de Oliveira Figueiredo.

Com a instauração da democracia, em 1934, foi eleito pelo Partido Republicano Paulista, o PRP, deputado estadual constituinte à Assembleia Legislativa paulista, sendo o mais votado em toda a região sorocabana. Exerceu seu mandato até 10 de novembro de 1937, quando o Poder Legislativo foi fechado em todo o Brasil, por força da instauração do Estado Novo. Seria a única vez que ocupou um cargo no legislativo.

Adhemar de Barros governou o Estado de São Paulo, por três vezes. A primeira, nomeado interventor federal por Getúlio Vargas, em 25 de abril de 1938, ficando no cargo até 5 de junho de 1941, quando foi substituído por Fernando Costa, que ocupava o Ministério da Agricultura. Em 19 de janeiro de 1947, foi eleito governador pelo voto direto, com decisivo apoio do Partido Comunista Brasileiro, o PCB, de Luís Carlos Prestes, exercendo a função até 31 de janeiro de 1951, e elegendo seu sucessor o professor Lucas Nogueira Garcez. A terceira vez, em 31 de janeiro de 1963.



Eleição acirrada



Adhemar seria derrotado duas vezes para o governo paulista. Perdeu em 1954 para Jânio Quadros, e em 1958 para Carlos Alberto Carvalho Pinto, ambas as vezes por uma pequena margem de votos.

As eleições marcadas para 6 de outubro de 1962 seriam um divisor de águas na política de São Paulo. Quatro candidatos disputaram o governo estadual: Adhemar de Barros, do Partido Social Progressista (PSP), com o apoio do Partido Social Democrático (PSD); Jânio Quadros, do Partido Trabalhista Nacional (PTN) e Movimento Trabalhista Renovador (MTR); José Bonifácio Coutinho Nogueira, pela coligação integrada pelo Partido Republicano (PR), Partido Democrático Cristão (PDC), União Democrática Nacional (UDN), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), e Partido Representação Popular (PRP); e Cid Franco, do Partido Socialista Brasileiro (PSB).

A decisão do então governador Carvalho Pinto, de apoiar o seu antigo secretário da Agricultura, José Bonifácio, contra a candidatura de Jânio Quadros (que havia renunciado ao cargo de presidente da República, em 25 de agosto do ano anterior) rachou a até então vitoriosa corrente janista. Vários deputados estaduais, como Aloysio Nunes Ferreira, pai do atual senador do PSDB, por lealdade e gratidão a Carvalho Pinto, resolveram apoiar o candidato governista, e pagaram com sua não reeleição ao Palácio 9 de Julho.

O renhido pleito, em decorrência da divisão política, deu a vitória a Adhemar de Barros, que obteve 1.249.414 votos, ficando Jânio com 1.125.941 votos, José Bonifácio com 722.823 votos e o deputado Cid Franco com 35.653 votos. Adhemar tomou posse em 31 de janeiro de 1963.



Jango



A situação política no Brasil era tumultuada. O país vivia no regime parlamentarista, em decorrência da decisão dos ministros militares de Jânio de tentar vetar a posse do vice-presidente João Goulart na presidência da República.

Um plebiscito havia sido marcado para que o povo brasileiro decidisse sobre o regime de governo. Em 6 de janeiro de 1963, realizado o referendo, 76,97% do eleitorado brasileiro decidiu pela restauração do regime presidencialista, com Goulart investido de plenos poderes.

Adhemar de Barros, antes mesmo de ser empossado pela terceira vez no governo de São Paulo, passou com armas e bagagens a fazer uma forte oposição ao governo federal. A conspiração contra o presidente constitucional João Goulart estava em marcha.

Jango, como era chamado o mandatário da Nação, pregava as chamadas reformas de base, que tinham como alguns dos seus itens a reforma agrária e uma lei que proibisse a remessa de lucros obtidos no país, principalmente pelas multinacionais e grandes empresários, para o exterior.

A campanha contra o governo federal era virulenta. Além de Adhemar, havia outro grande e notório golpista, que também se arvorava a salvador da pátria: o governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, alcunhado pelos seus oponentes como "corvo".

A união das forças de direita passou a incluir, além de políticos notadamente da UDN, integrantes das forças armadas, e do conservador empresariado brasileiro, que viam com sérias reservas o governo de João Goulart, entendendo que era esquerdista, e pelos mais radicais como comunista. O complô estava formado: os empresários começaram a fornecer dinheiro para aquisição de armas, e de tudo que pudesse ajudar a derrubar o governo de Jango. O governo dos Estados Unidos, através do seu embaixador Lincoln Gordon, passou a ajudar em surdina os conspiradores, com todos os meios que estavam a seu alcance.

As reformas defendidas por João Goulart assustavam a classe dominante, e os direitistas se aproveitaram da situação, e a crescente inflação que assolava o Brasil e que descontentava a todos ajudou a alavancar a golpe que estava em marcha.



Marcha da família



Em 13 de março de 1964, uma sexta-feira, o governo federal resolveu realizar um grande comício no Rio de Janeiro, ao lado da estação da Central do Brasil, na avenida presidente Vargas. Jango e os demais oradores defenderam as reformas de base, como uma aspiração da classe trabalhadora e a redenção do país. A oposição se aproveitou da situação e desencadeou um complô contra o governo federal.

Seis dias depois, em resposta ao Comício da Central, foi realizada na capital paulista a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que segundo seus organizadores, tinha o intuito de "defender a Constituição e os princípios democráticos, dentro do mesmo espírito que ditou a Revolução de 32".

A multidão, calculada em mais de 500 mil pessoas, se reuniu na Praça da República, e seguiu pela Rua Barão de Itapetininga, Praça Ramos de Azevedo, Viaduto do Chá, Praça do Patriarca e Rua Direita, até a Praça da Sé, concentrando-se em frente às escadarias da catedral. Vários oradores se fizeram ouvir durante a manifestação, como o presidente do Senado Federal, Auro Soares de Moura Andrade, e o deputado Ciro Albuquerque, presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, mas a grande maioria era integrantes do partido de oposição, a UDN. A chegada da esposa do governador, dona Leonor Mendes de Barros, foi saudada pelos presentes com uma grande salva de palmas, e a banda da Força Pública (hoje Polícia Militar) tocou o Hino Nacional Brasileiro, que foi cantado por todos, que acenavam com lenços brancos.

Os integrantes da marcha vaiavam os que consideravam traidores da pátria. O senador e padre Mario Calazans, da UDN, lembrou que era dia de São José, mas que "Fidel era o padroeiro de Brizola". Os presentes gritavam: "1, 2, 3, Brizola no xadrez. Se tiver lugar, vai o Jango também".

Os conspiradores viram que podiam tomar uma atitude. A manifestação e a insatisfação popular contra o governo federal era o respaldo que precisavam, e acabou referendando a atitude que seria tomada pelos militares, poucos dias depois.



Armando o golpe



Em Minas Gerais, o comandante da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria, sediadas na cidade de Juiz de Fora, general Mourão Filho " que depois seria apelidado de "vaca fardada" por causa de uma desastrada entrevista à imprensa " havia assistido ao comício do Rio de Janeiro pela televisão e resolveu agir. Na madrugada de 1º de abril, movimentou suas tropas com destino ao Rio de Janeiro, onde o comando do I Exército era leal ao governo.

Os golpistas estavam preparados em todo o país. Apesar de a atitude suspeita de militares ter sido amplamente divulgada pela imprensa, o executivo federal não agiu preventivamente, e acabou sendo pego de surpresa sem reagir a tempo contra a rebelião. Jango, que se encontrava no Rio de janeiro, foi para Brasília, e como a situação na capital federal estava complicada, por sua proximidade com Minas Gerais, resolveu se dirigir para o Rio Grande do Sul, seu Estado natal, para defender o seu governo.

Em Porto Alegre, após uma reunião tensa, Leonel Brizola sugeriu a João Goulart (que era seu cunhado) que ele fosse para São Borja, na fronteira com a Argentina, sua cidade natal. Brizola sugeriu ainda sua própria nomeação como ministro da Justiça, e a nomeação do comandante do III Exército, general Ladário Telles, no Ministério da Guerra.

Mas a reação ao golpe não se concretizou: de Brasília vinha a notícia de que o presidente do Congresso Nacional, senador Auro Soares de Moura Andrade, em uma atitude totalitária e de abusiva inconstitucionalidade, havia declarado, na madrugada de 2 de abril, a vacância do cargo de presidente da República, passando o poder ao presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli.

Jango não teve escapatória, e resolveu ir para o Uruguai, na condição de exilado. Os líderes do movimento golpista estavam acreditando que o poder ia, literalmente, cair em seus colos. Adhemar em São Paulo era um desses. Mas os militares resolveram tomar o poder e indicaram o candidato para a presidência: o nome escolhido foi o do chefe do estado maior do Exército, general Humberto de Alencar Castello Branco, que acabou eleito presidente pelo Congresso, em uma eleição indireta em que foi o único pleiteante ao cargo.



Mandato prorrogado



Estavam marcadas as eleições presidenciais para o ano de 1965, mas os militares resolveram prorrogar o mandato de Castello Branco por mais um ano e, em consequência anular as eleições diretas. Adhemar de Barros, que sonhava com a presidência da República, tendo sido candidato ao cargo nos pleitos de 1955 e 1960, e derrotado primeiro por Juscelino Kubitschek e depois por Jânio Quadros, inconformado e decepcionado com as decisões do movimento revolucionário que ajudou a implantar no Brasil, passou a criticar e atacar o governo federal e o presidente da República. As escaramuças continuaram durante mais de um ano.

Em março de 1966, Adhemar foi mais radical, pedindo a renúncia do presidente Humberto Castello Branco e a entrega do poder ao ex-presidente marechal Eurico Gaspar Dutra, até a convocação de novas eleições. Pediu ainda anistia completa, revogação de todos os atos institucionais e complementares e eleições diretas. Chegou ao cúmulo de, em um programa de televisão, indagar da apresentadora o que achava de Castello Branco, mas ela, atônita, não teve nem tempo de argumentar. Para espanto de todos, o próprio Adhemar respondeu: "Eu o acho muito feio..."



Crise



Segundo Roberto Campos, então ministro do Planejamento, a crise que envolveu Adhemar de Barros foi de ordem política e econômica. No campo político, o governador conseguiu manobrar a eleição da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa, quando apoiou a reeleição do deputado Francisco Franco para a presidência da Casa, contra o candidato do partido governista, a Arena, deputado Waldemar Lopes Ferraz " que, teoricamente, tinha uma folgada maioria no Palácio 9 de Julho, mas acabou sendo derrotado por 64 a 49 votos, pela chamada "turma da pesada".

Como a eleição para o Executivo paulista era indireta e passava pela Assembleia, Adhemar resolveu controlar a escolha do seu substituto no governo, inclusive com o apoio dos integrantes do partido de oposição, o MDB, desafiando a corrente revolucionária no poder. A derrota de Waldemar Lopes Ferraz para presidente da Assembleia assustou o governo militar, que ficou com receio de perder também na sucessão estadual. O candidato já escolhido era o ex-deputado Roberto Costa de Abreu Sodré.

Preocupado com as denúncias de compra de votos pelo esquema de Adhemar, usando dinheiro arrecado de empreiteiros e de concessionárias do governo paulista, Sodré foi até o presidente da República e o alertou sobre o fato.

No plano econômico, Adhemar além de autorizar o Banco do Estado de São Paulo a realizar uma verdadeira orgia de empréstimos, havia lançado no mercado títulos públicos: os Bônus Rotativos do Estado do estado de São Paulo, ou as chamadas "adhemaretas". Os bônus eram vendidos com enorme deságio e embutiam extravagantes juros reais que, fatalmente, gerariam pressão sobre o redesconto no Banco Central e deixavam em desvantagem os bônus da União, acarretando ainda uma inflação maior que já havia na época.

Paulo Egídio Martins, ministro da Indústria e Comércio, foi cientificado pelo ministro Roberto Campos do grave problema financeiro e, instado a conversar com o secretário estadual da Fazenda, José da Silva Gordo, que era seu conhecido, falou com ele da preocupação da União sobre os bônus de São Paulo. O titular da pasta ficou de conversar sobre o caso com o governador mas, talvez por questões de foro intimo, licenciou-se do cargo e viajou para o exterior. O substituto, com anuência do próprio Adhemar, agiu de maneira diversa do pretendido, o que irritou muito o governo federal.

Roberto Campos e o ministro da Fazenda, Octávio Gouveia de Bulhões, preocupados com a possível espiral inflacionária que atingiria o país pela decisão do governador Adhemar de Barros, foram ao presidente Castello Branco narrar os graves fatos e desabafar, afirmando que não teriam como manter o plano financeiro do executivo federal conforme determinava o próprio chefe da nação.



*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador, é diretor do Departamento de Documentação e Informação da Assembleia Legislativa.

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