21 de abril - Um sonho de liberdade

Antônio Sérgio Ribeiro*
19/04/2004 18:26

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Alferes Joaquim José da Silva Xavier<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/tiradentes.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Depois de anos de excessiva retirada de materiais preciosos de seu solo, Minas Gerais assistiu, a partir de 1760, o início do declínio acentuado da produção do mais valioso dos metais, o ouro, pois o governo de Portugal exigia de sua colônia a cobrança de um valor fixo, referente aos direitos reais, de 100 arrobas (1.500 quilos) por ano, qualquer que fosse a produção. O povo era obrigado a completar a quantia exigida com seus próprios bens, na chamada derrama. O descontentamento com a coroa portuguesa em Minas Gerais era enorme e, em 1781, no Seminário de Mariana - MG, o cônego Luiz Vieira da Silva deu início a conversas sobre um levante e independência de Portugal.

Em 1788, o governo português determinou a cobrança das taxas atrasadas, isto depois de dezessete anos sem fazê-lo. A nova derrama teria como justificativa o fato de não haver queda de produção, mas sim contrabando. Para fazer cobrar a dívida, a rainha de Portugal, D. Maria I, nomeou como governador de Minas Gerais o general D. Luiz Antonio Furtado de Mendonça, o Visconde de Barbacena.

Nova vida

Licenciado da milícia mineira, o alferes Joaquim José da Silva Xavier (nascido em Pombal - hoje São João Del Rei - MG, em 1746) foi para o Rio de Janeiro tentar uma nova vida. Ali, travou contato com José Álvares Maciel, recém-chegado da Europa, de onde trazia idéias de liberdade, e com essa conversa deu-se início à conjuração.

Outro nome lembrado para integrar o movimento foi o de José Joaquim de Maia, estudante de medicina na Universidade de Montpellier, na França, que havia travado contato com o embaixador dos Estados Unidos em Paris, Thomas Jefferson. O diplomata americano frustrou os ideais de independência do jovem brasileiro, pois a ajuda se limitava a alguns oficiais voluntários que quisessem abraçar a causa.

Em agosto de 1788, ao término de sua licença, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, também conhecido como Tiradentes por suas habilidades como dentista, retornou a Vila Rica, capital de Minas Gerais, para apresentar-se ao Regimento de Cavalaria Regular.

Em 26 de dezembro de 1788, realizou-se, na casa do tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, um encontro geral e reunião final decisória dos Inconfidentes. Entre os participantes estava o comandante da tropa em São João Del Rei, o coronel Joaquim Silvério dos Reis, pessoa de reputação duvidosa. Como fazendeiro e minerador tinha uma dívida enorme com a Coroa portuguesa e, caso tivesse que saldá-la, ficava configurada a sua ruína.

A viagem de Tiradentes ao Rio em 4 de março de 1789 teve o propósito de arregimentar mais pessoas e participar o andamento da conjuração aos seus adeptos. A idéia era desencadear a rebelião no dia em que fosse decretada a derrama.

Sabedor de todos os fatos e informações e em troca do perdão de suas dívidas, Silvério dos Reis, em 15 de março de 1789, resolveu denunciar ao Visconde de Barbacena a Inconfidência. Dois dias depois, o governador suspendeu a derrama e, no dia 25, encaminhou ao vice-rei um oficio no qual relatava a denúncia.

No dia 7 de maio de 1789, teve início a abertura da Devassa no Rio de Janeiro, com a instauração das investigações sobre a conjuração mineira. Três dias depois ainda no Rio de Janeiro, Joaquim José da Silva Xavier foi preso e, uma semana depois, em conseqüência da chegada em Vila Rica da notícia de sua prisão, teve início a prisão dos demais Inconfidentes.

Devassa

A abertura da devassa em Minas Gerais ocorreu em 12 de junho de 1789 e foi unificada com a do Rio de Janeiro em 14 de julho, coincidentemente dia da queda da Bastilha em Paris. Nomeada pela rainha D. Maria I, através de Carta Régia, datada de 17 de julho de 1789, a Comissão Especial de Alçada embarcou de Lisboa para o Brasil em 17 de outubro.

Após três anos do início da Devassa, em 17 de abril de 1792, e encerrado o exame do processo pela Comissão Especial de Alçada, os Inconfidentes foram retirados das prisões e encaminhados à sala do Oratório da Cadeia Pública para conhecimento do acórdão.

Às 8 horas da manhã do dia 18 de abril, e com término somente às duas horas da manhã do dia seguinte, teve início a leitura do acórdão que sentenciava os envolvidos na Inconfidência. Durante o processo de investigação, Tiradentes foi ouvido quatro vezes e, inclusive, confrontado com seus companheiros de luta. A princípio negou seu envolvimento, mas diante de outros denunciados, assumiu a responsabilidade do levante, livrando os demais conspiradores da pena capital.

No dia 21 de abril de 1792, às 7h da manhã, o negro carrasco Capitania entrou na cadeia com uma grossa e comprida corda e o camisolão branco dos condenados. Joaquim José da Silva Xavier estava sem barba e o cabelo todo raspado, como era praxe para os sentenciados à morte. Despido, vestiu o camisolão. Às 9 horas, teve início o cortejo escoltado por soldados, seguidos dos frades rezando, atrás o condenado tendo a seu lado funcionários da Justiça e o frei Penaforte, que rezava com ele. Mais distante estavam os representantes da Coroa guardados por uma companhia de soldados e, por fim, o carroção onde seriam colocados os pedaços do corpo esquartejado. Entre 11 e 12 horas, o cortejo chegou no Largo da Lampadosa (hoje praça Tiradentes) no Rio de Janeiro, onde estava montada a forca; Tiradentes subiu os degraus do patíbulo, beijou o crucifixo e teria dito ao carrasco: "Acabe logo com isto!"

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Os envolvidos

Além de Tiradentes, foram condenados:

Tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, também à pena de morte, comutada por desterro perpétuo na África, falecendo em Angola.

José Alves Maciel. A mesma pena e comutação, falecendo no degredo em Angola.

Coronel Inácio José de Alvarenga Peixoto. A mesma pena e comutação, falecendo no degredo em Ambaca - Angola.

Tenente-coronel Domingos de Abreu Vieira. A mesma pena e comutação, falecendo no degredo em Muxima - Angola.

Coronel Francisco Antonio de Oliveira Lopes. A mesma pena e comutação, falecendo no degredo em Angola.

Sargento-mor Luis Vaz de Toledo Piza. A mesma pena e comutação, falecendo no degredo em Angola.

Salvador Carvalho do Amaral Gurgel. A mesma pena e comutação, falecendo no degredo em Moçambique.

José de Rezende Costa (pai). A mesma pena e comutação, falecendo no degredo em Cabo Verde.

José de Rezende Costa (filho). A mesma pena, comutada depois por 10 anos de degredo em Cabo Verde, retornando ao Brasil após o cumprimento.

Domingos Vidal Barbosa Lage. A mesma pena e comutação, falecendo no degredo em Ribeira Grande - Cabo Verde.

Desembargador Tomás Antonio Gonzaga. Sentenciado ao degredo por toda a vida em Moçambique, onde faleceu.

Vicente Vieira da Mota. Sentenciado ao degredo por toda a vida. Faleceu em Moçambique.

Coronel José Aires Gomes. Sentenciado ao degredo por toda a vida, teve a pena comutada por uma de 10 anos. Se voltasse ao Brasil, seria sentenciado à pena de morte e ao confisco dos bens. Faleceu em Inhambane - Moçambique quando cumpria pena.

João da Costa Rodrigues. Sentenciado ao degredo por toda a vida, teve a pena comutada por uma de 10 anos. Caso voltasse ao Brasil, seria pena de morte e confisco dos bens.

Antonio de Oliveira Lopes. Sentenciado ao degredo por toda a vida, teve a pena comutada por uma de 10 anos. Caso voltasse ao Brasil, seria pena de morte e confisco dos bens. Faleceu em Porto Belo - Moçambique quando cumpria a pena.

Vitorino Gonçalves Veloso. Sentenciado ao degredo por dez anos.

Fernando José Ribeiro. Sentenciado ao degredo por dez anos.

João Dias da Mota. Sentenciado ao degredo por dez anos, falecendo em Ribeira Grande - Cabo Verde.

José Martins Borges. Sentenciado ao degredo por dez anos.

Cláudio Manuel da Costa. Suicidou-se na prisão em 4 de julho de 1789. Foi declarada infame a sua memória; infames seus filhos e netos e confiscados os bens.

Francisco José de Melo. Faleceu na prisão antes do julgamento. Absolvido postumamente.

Capitão Manuel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes. Faleceu na prisão antes do julgamento. Absolvido postumamente.

Cônego Luis Vieira da Silva. Julgado criminoso, não foi imposta pena, sendo remetido para Lisboa, por aviso régio, para ser punido na Corte. Cumpriu quatro anos de prisão e regressou ao Brasil.

Vigário Carlos Correa de Toledo. Julgado criminoso, não foi imposta pena, sendo remetido para Lisboa, por aviso régio, para ser punido na Corte. Cumpriu quatro anos de prisão e regressou ao Brasil.

Padre Manuel Rodrigues da Costa. Julgado criminoso, não foi imposta pena, sendo remetido para Lisboa, por aviso régio, para ser punido na Corte. Cumpriu quatro anos de prisão e regressou ao Brasil.



BOX Sentença de Tiradentes

"Mostra-se que entre os chefes, e cabeças da Conjuração, o primeiro que suscitou as ideas de república foi o Réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, Alferes que foi da Cavallaria paga da Capitania de Minas, o qual há muito tempo, que tinha concebido o abominavel intento de conduzir os povos d'aquelia Capitania a uma rebelião, pela qual se subtrahissem da justa obediência devida à dita Senhora, formando para este fim publicamente discursos sediciosos, que foram denunciados ao Governador de Minas antecessor do actual, e que então sem nenhuma razão foram despresados, como consta afl. 74, folhas 68v., folhas 127v., e fl. 2ª do Ap. n. 8 da devassa principiada n'esta cidade: e supposto que aquelles discursos não produzissem n'aquelle tempo outro effeito mais do que o escandalo e abominação que mereciam, com tudo, como o réo viu que o deixavam formar impunemente aquelias criminosas praticas, julgou por occasião mais oportuna para continuaras com maior efficacia no anno de Jesus Christo de 1788, em que o actual governador de Minas tomou posse do governo da capitania e tratava de fazer lançar a derrama para completar o pagamento das cem arrobas de ouro, que os povos de Minas se obrigaram a pagar anualmente pelo offerecimento voluntário que fizeram em 24 de março de 1734, aceito e confirmado pelo Alvará de 3 de Dezembro de 1750, em lugar da capitação desde então abolida. Porem persuadindo-se o réo que o lançamento da derrama para completar o computo das cem arrobas de ouro não bastaria para conduzir os povos à rebellião, estando elles certos em que tinham offerecido voluntariamente aquelle computo como um subrogado muito favoravel em lugar do quinto do ouro que tirassem nas minas, que são um direito real em todas as monarchias, passou a publicar que na derrama competião a cada pessoa as quantias que arbitrou, que seriam capazes de atemorizar os povos, e a pretender fazer com temerario atrevimento e horrenda falsidade odioso o suavíssimo e iluminadissimo governo da dita senhora, e as sabias providencias dos seus ministros de Estado, publicando que o actual governador de Minas tinha trazido ordem para opprimir e arruinar os leaes vassalios da mesma senhora, fazendo com que nenhum d'elles pudesse ter mais de dez mil cruzados, o que jura Vicente Vieira da Motta a fl. 60, e o tenente coronel Basilio de Brito Malheiro a fl. 52v., ter ouvido d'este réo, e a fl. 108, da devassa tirada por ordem do governador de Minas, e que o mesmo a ouvira a João da Costa Rodrigues a fl. 57 e ao conego Luiz Vieira a fl. 60 da devassa tirada por ordem do vice-Rei do Estado.Mostra-se que tendo o réo Tiradentes publicado aquelias horríveis e notarias falsidades, como alicerce da infame machina que pretendia estabelecer, communicou, em Setembro de 1788 as suas perversas idéas ao réo José Alvares Maciel, visistando-o n'esta cidade a tempo que o dito Maciei chegava de viajar por alguns reinos estrangeiros para se recolher à Vilia-Rica, de onde era natural, como consta a fl. 10 do Ap. n. 1 e fl. 2 do Ap. n. 112 da devassa principiada nesta cidade; e tendo o dito réo Tiradentes encontrado no mesmo Maciei não só approvação, mas também novos argumentos que o confirmaram nos seus execrandos projectos, como se prova a fl. 10 do dito Ap. n. 1 e a fi. 7 do Ap. n. 4 da dita devessa, sahiram os referidos réos d'esta cidade para Vilia-Rica, capital da capitania de Minas, ajustados em formarem o partido para rebelião; e com effeito o dito réo Tiradentes foi logo de caminho e examinando os animos das pessoas a quem faltava, como foi aos réos José Ayres Gomes e padre Manoei Rodrigues da Costa: chegando à Vilia-Rica, a primeira pessoa a quem os sobreditos dois réos Tiradentes e Maciei faltaram foi ao réo Francisco de Paula Freire de Andrade, que então era tenentecoronel commandante da tropa paga da capitania de Minas, cunhado do dito Maciei; e supposto que o dito Francisco de Paula duvidasse no princípio conformar-se com as idéias d'aquelles dois perfidos réos, o que confessa o dito Tiradentes a fl. 10 v. do dito Ap. n. 1, comtudo, persuadito pelo mesmo Tiradentes com a falsa asserção de que n'esta cidade do Rio de Janeiro havia um grande partido de homens de negócio promptos para ajudarem a sublevação, tanto que elia se effectuasse na capitania de Minas, e pelo réo Maciel seu cunhado, com a phantastica promessa de que logo se executasse a sua infame resolução, teriam socorros de potências estrangeiras, referindo em confirmação d'isto algumas praticas, que dizia ter por lá ouvido, perdeu o dito réo Francisco de Paula todo o receio, como consta a fl. 10 v e fl. 11 do Ap. n. 1, e fl. 7 do Ap. n. 4 da devassa desta cidade, adoptando os perfidos projectos dos ditos dois réos para formarem a infame conjuração de estabelecerem na capitania de Minas uma república independente.Mostra-se quanto ao réo Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes, que esta monstruosa perfídia depois de recitar naquelas escandalosas, e horrorosas assembéas as utilidades, que reultariam do seu infame projecto, se encarregou de ir cortar a cabeça ao General, como consta a fl. 103 v. e fl. 107 e Aps. n. 4, fl. 10 e n. 5 a fls. 7v. da devassa d'esta cidade, e fis. 99v. da devassa de Minas, e conduzindo-a faria patente ao povo e tropa, que estaria formada na maneira sobredicta, não obstante dizer o mesmo réo a f I. 1 1 v. do Ap. n. 1, que só se obrigou a ir prender o mesmo General, e conduzilo com sua família fora dos limites da capitania, dizendo-lhe, que se fosse embora; parecendo-lhe talvez que com esta confissão ficaria sendo menor o seu delicto.Mostra-se que este abominavel réo ideou a forma da bandeira que devia ter a república, que devia constar de tres triangulos com aliusão ás tres pessoas da Santissima Trindade, o que confessa a fl. 12 do Ap. n. 1, ainda que contra este voto prevaleceu o réo Alvarenga, que se lembrou de outra mais ailusiva à liberdade, que foi geralmente approvada pelos conjurados. Tambem se obrigou o dito réo Tiradentes a conduzir para a sublevação a todas as pessoas que pudesse. Confessa a fl. 12 Ap. n. 1, e satisfez ao que prommeteu fallando em particular a muitos, cuja fidelidade pretendeu corromper, principiando a expor-lhes as riquezas d'aquella capitania, que podia ser um imperio florescente, como foi a Antonio de Affonseca Pestana, a Joaquim José da Rocha, e n'esta cidade a João Nunes Carneiro e a Manoei Luiz Pereira, furriei do regimento de artilharia; consta a fl. 16 e fl. 18 da devassa d'esta cidade; os quaes como atalharam a prática por onde o réo principiava ordinariamente a iludir os animos, não passou avante a communicar-lhes com mais clareza os seus malvados e perversos intentos,- confessa o réo a fl. 18 v., Ap. n. 1.Mostra-se mais que o réo se animou com sua costumada ousadia a convidar expressamente para o levante ao réo Vicente da Motta, confessa este a fl. 73 v., e no Ap. n. 20, e o réo a fl. 12 v., Ap. n. 1, e era tal o excesso e descaramento d'este réo, que publicamente formava discursos sediciosos onde quer que se achava, ainda mesmo pelas tavernas, com o mais escandaloso atrevimento, como se prova pela testemunha a fl. 71, 73, Ap. n. 8, fl. 3 da devassa d'esta cidade, a fl. 58 da devassa de Minas, sendo talvez por esta descomedida ousadia, com que mostrava ter totalmente perdido o temor das justiças e o respeito e fidelidade devida à dita Senhora, reputado por um heroe entre os cunjurados, como consta a fl. 102 e Ap. 4, a fl. 10 da devassa d'esta cidade.Mostra-se mais que com o mesmo perfido animo e escandalosa ousadia partiu o réo de Vilia-Rica para esta cidade em Março de 1789, para o intento de publicar, e particularmente com as suas costumadas praticas convidar gente para o seu partido, dizendo ao coronel Joaquim Silverio dos Reis, que reputava ser do numero dos conjurados, encontrando-o no caminho perante várias pessoas - Cá vou trabalhar para todos-o que juram as testemunhas a fis. 15 fis. 99 v. fls. 142 fls. 100 e fls. 143 da devassa d'esta cidade; e com effeito continuou a desempenhar a perfida comissão de que se tinha encarregado nos abomináveis conventiculos, faltando no caminho a João Dias da Motta para entrar na rebelião, e descaradamente na estalagem da Varginha perante os réos João da Costa Rodrigues e Antonio de Oliveira Lopes, dizendo a respeito do levante - que não era levantar, que era restaurar a terra - expressão infame de que já se tinha usado em casa de João Rodrigues de Macedo, sendo reprehendido de faliar em levante, o que consta a fl. 61 da devassa d'esta cidade e a fl. 36 da devassa de Minas.Mostra-se que n'esta cidade fallou o réo com o mesmo atrevimento e escandalo, em casa de Valentim Lopes da Cunha, perante várias pessoas, por ocasião de se queixar o soldado Manoel Corrêa Vasques de não poder conseguir a baixa que pretendia, ao que respondeu o réo, como louco furioso, que era muito bem feito que soffresse a praça, e que o açoitassem, porque os cariocas americanos eram fracos, vis e de espíritos baixos, porque podiam passar sem o jugo que soffriam, e viver independentes do reino, e o toleravam; mas que se houvesse algum como elle réo, talvez que fosse outra cousa, e elle agora receiava que houvesse levante na capitania de Minas, em razão da derrama que se esperava, e que em semelhantes circunstâncias seria fácil havei-o; de cujas expressões sendo reprehendido pelos que estavam presentes, não declarou mais os seus perversos e horríveis intentos; consta a fl. 17 e fl. 18 da devassa d'esta cidade. E sendo o vice-rei do Estado a esse tempo já informado dos abominaveis projectos do réo, mandou vigiar-lhe os passos, e averiguar as casas onde entrava, e de que tendo elle alguma noticia ou avizo, dispôz a sua fugida pelo sertão da capitania de Minas, sem dúvida para ainda executar os seos malvados intentos, se pudesse, occultando-se para este fim em casa do réo Domingos Fernandes, aonde foi preso, achando-se-lhe as cartas dos réos Manoel José de Miranda, e Manoel Joaquim de Sá Pinto do Rego Fortes, para o mestre de campo lgnacio o auxiliar na fugida.Portanto condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas Gerais, a que, com baraço e pregação, seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da fôrca, e nela morra morte natural para sempre e que, depois de morto, lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, aonde, em o lugar mais público dela, será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregados em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, aonde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações, até que o tempo também os consuma; declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelo bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve em memória a infância dêste abominável réu."*Antônio Sérgio Ribeiro, advogado e pesquisador, é funcionário da Secretaria Geral Parlamentar.Colaborou Sandra Sciulli Vital, da Divisão de Documentação e Biblioteca da Alesp.

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