6 de dezembro: laço branco pela vida e pela dignidade

Opinião
05/12/2007 10:48

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Ana Perugini <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/03-2008/ANA  PERUGINI  LACO  BRANCO.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

*Ana Perugini

"As mulheres são responsáveis pelos fracassos dos homens; toda mulher que cruza o caminho de um homem bem-sucedido deve ser castigada; e as mulheres bem-sucedidas não aceitam ser protegidas por um homem." Ao que consta, esse era o terrível conteúdo da mensagem deixada num bilhete pelo autor do chamado massacre de Montreal, em 1989, no qual 14 estudantes de Engenharia foram mortas por um jovem de 25 anos numa Universidade no Canadá.

À primeira vista espanta uma notícia dessas, de um massacre de mulheres em país considerado de primeiro mundo. Creio que uma reflexão é oportuna, no momento em que o planeta todo discute, em um período de 16 dias, de 25 de novembro a 10 de dezembro, as atrocidades praticadas contra as mulheres. No caso brasileiro, é fundamental um debate desses no atual momento histórico, quando o país ainda repercute os efeitos da Lei Maria da Penha.

Inicialmente, entendo que a causa da mulher de fato não é exclusiva do Brasil ou de qualquer país em desenvolvimento ou considerado desenvolvido. É uma temática universal, que aparece na própria mitologia da Grécia Antiga, o tempo dos deuses, das lendas, das estórias e histórias imorredouras.

Nessa fase áurea da mitologia ocidental, aparece, sempre em destaque, a figura da mulher, como Penélope, que se revelou capaz de aguardar, ao longo de 20 anos, pelo retorno do marido Ulisses (Odisseus), da Guerra de Tróia. Na obra clássica, Odisséia, conta Homero que Penélope, apesar do assédio implacável de numerosos pretendentes, teve a coragem e a tenacidade de atravessar, sozinha, período tão longo, até o desfecho da aventura que se transformou a volta do esposo, o estrategista do Cavalo de Tróia.

Ainda na Grécia, temos Antígona, que se rebelou contra as autoridades e toda legislação da época, e por isso foi castigada, apenas porque pretendia enterrar o corpo do irmão que tinha morrido. A mensagem que fica implícita, nos casos de Penélope ou de Antígona, é a de que a mulher sempre teve que ser mais forte do que as convenções e hábitos de cada época. São normas que, de forma geral, sempre sancionaram a violência contra as mulheres, que por sua vez sempre resistiram e lutaram, com todas suas forças, pela dignidade e pela paz.

Os tempos atuais estão recheados de exemplos de que a violência cultural, aprovada pela sociedade, continua fazendo vítimas entre as mulheres. Há alguns anos vi numa matéria deste CORREIO POPULAR, afixada no posto de saúde do Jardim Santa Bárbara, em Campinas, um dado estatístico que me incomodou: "70% das mulheres vítimas da AIDS eram casadas".

Mais recentemente, pelas minhas visitas como coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Mulheres, verifico a existência de estatística na cidade de Diadema, dando conta de que mulheres casadas, que trabalham fora de casa, são a maioria das vítimas da violência doméstica.

Naquela época pensei: a absoluta confiança em relação ao parceiro, e do outro lado, o total desamor, matando descarada e impunemente. Hoje, quando vejo o quadro em Diadema e passo por municípios onde não foram implantados os Centros de Referência à Mulher, órgão da maior necessidade no combate a essa violência cruel que está dissimulada em nossa cultura, fico sedenta por justiça, pensando em nossas filhas e filhos, no amor ao próximo, no amor que é comprometimento de vida, e de realizações.

Pois bem, a Lei Maria da Penha (a Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006) é nesse sentido uma porta aberta para a esperança, ao tornar mais rigorosa a punição aos acusados de violência contra a mulher. Entendo, porém, que o Brasil precisa muito mais. A sociedade brasileira deve estender a Lei para um "Programa Maria da Penha", para selar uma etapa na materialização da formalidade da igualdade constitucional de 1988. Um passo largo na necessária materialização da igualdade.

Atualmente vejo pessoas flageladas, mulheres que não podem desagradar e homens que não podem falhar. Vejo uma cultura propagadora de violência, perpetuada por todos nós e chamo a atenção para que não se banalize a busca de igualdade de gênero. Trata-se de atitude responsável de toda liderança nos seus mais variados espaços. Trata-se de sobrevida digna do planeta. Porque o que acontece à minha irmã no Nordeste ou Sudeste do Brasil, ou na África, igualmente acontece a mim.

Nesse instante, o que desejo é arregaçar as mangas e lutar pela quebra de paradigmas. É também pedir socorro. É dizer ao meu semelhante: se você conhece uma mulher que vive sob o signo do medo, então lhe diga: todos os dias você, mulher, companheira, tem o direito de escolher entre o certo, o errado e o conveniente. Entre ser igual ou deixar-se tratar como um ser sem vontade; ajudar e ser ajudada. Entre obedecer sempre ou se colocar com suas idéias tão importantes, e ir em busca de sua felicidade.

Diga-lhe que ainda pode: escolher, hoje, ser a pessoa mais importante da sua vida. Recheada de muito amor próprio. Que pode escolher pronta para a vida. A entender que não precisa aceitar tudo com submissão. E que suas idéias são importantes para nós, que acreditamos em uma sociedade mais justa em que todas as idéias sejam discutidas e não impostas pelo machismo. Que você, mulher, não está só!

Ao elenco de desafios do Programa Maria da Penha, acrescentaria a violência institucional e admito o meu árduo desejo pelo dia em que nossa cultura não mais avalize qualquer tipo de violência de gênero, pois nenhum contrato ou vínculo afetivo entre pessoas outorga a uma das partes o poder de subjugar o outro; então, a olho nu, o Código Penal aplicar-se-ia irrestritamente a qualquer criminoso.

Por todos esses motivos, considero que deva existir, por parte de cada um de nós, mais empenho no sentido de valorizar o que se convencionou chamar de a Campanha do Laço Branco. Assim ficou conhecida a mobilização mundial de homens pelo fim da violência contra as mulheres, deflagrada oficialmente no Brasil neste 6 de dezembro. É uma Campanha como símbolo da sociedade, e uma forma de combate à injustiça como a praticada em 1989 em território canadense, assim como contra todas modalidades de violência contra as mulheres em qualquer canto desse belo planeta.



Ana Perugini (PT) é deputada estadual pelo Partido dos Trabalhadores.

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