Crise da Febem em debate na Comissão de Direitos Humanos


14/08/2003 21:17

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Sueli Rivera e deputado Renato Simões <a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Comdir14ago03A.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Sueli Rivera, Promotora da Infância e da Juventude<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/Comdir14ago03B.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

DA REDAÇÃO

"Às vezes, uma imagem é mais eficiente que um acórdão judicial". Essa frase, que se tornou uma referência nos comentários que se seguiram, foi um bom resumo do resultado que teve a divulgação pela mídia de imagens feitas na Unidade de Atendimento Inicial da Febem - Fundação Estadual do Bem Estar do Menor, localizada no bairro do Brás, na capital. As imagens da superlotação da unidade foram exibidas durante exposição da Promotora da Infância e da Juventude, Sueli Rivera, convidada da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia na reunião desta quinta-feira, 14/8.

O deputado Renato Simões (PT), presidente da comissão, pediu que a promotora abordasse também, em sua exposição, a rebelião da unidade de Franco da Rocha, que culminou na morte do monitor Rogério Rosa. Simões mostrou-se preocupado com o agravamento da crise na Febem, e lembrou que as supostas irregularidades do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente podem ter contribuído para essa situação.Segundo Sueli Rivera, o fato veio a atropelar o trabalho de apuração que vinha sendo feito na unidade do Brás. "É uma tragédia, lamentável, mas que também era previsível", disse ela, e completou, referindo-se ao Governo do Estado: "ocorreu por inércia de quem deveria estar fazendo alguma coisa". Sueli explicou que a Febem de Franco da Rocha foi construída para ser uma unidade prisional, mas foi aproveitada como unidade de internação, colocando jovens que precisam de outro tipo de tratamento. "Não tem sala de aula" (é usado o refeitório, mas é inadequado), "não tem lugar para instalar oficina profissionalizante, a quadra é muito pequena, o período de encarceramento é longo. Com isso há um aumento de tensão e, uma hora, explode." A rebelião de ontem em Franco da Rocha é a 17º este ano.

Superlotação e ociosidade

Além da superlotação, da falta de atividades educativas e de lazer, não há separação adequada dos jovens internados. Alguns são portadores de retardamento mental, outros de distúrbios de personalidade, que precisariam de tratamento psiquiátrico. Mas, como relata Sueli, isso não ocorre, e a Secretaria da Saúde diz que não tem condições de dar tratamento a esses jovens. Sueli espera que as unidades de Franco da Rocha e a UAI do Brás sejam desativadas, e já há ordem judicial nesse sentido. No caso da UAI, o acórdão do Tribunal de Justiça data de abril, determinando que a unidade acolha sua lotação total ou feche. "O risco é muito grande, tem 626 menores onde cabem 62, não tem rota de fuga, não tem boa ventilação. Acho que a divulgação da imagem fez o papel que o acórdão deveria fazer", resume Sueli.

A promotora descreveu que havia jovens amontoados por toda a unidade do Brás, inclusive nos corredores, sem ventilação adequada, com mau cheiro. "Só não tinha jovens no banheiro". Ela conta que os jovens ficam o dia inteiro sentados, sem qualquer atividade. Têm um tempo exíguo para comer, para tomar banho. A arrumação para dormir leva mais de uma hora, em razão do encaixe que tem que ser feito para que todos caibam deitados, às vezes dois ou três em cada colchonete. Depois que se deitam, não podem mais levantar.

Além disso, ali estão jovens de 14 a 21 anos, alguns reincidentes, outros com problemas mentais, outros ainda com síndrome de abstinência. Chega a haver menores que estão feridos à bala e que não obtiveram qualquer tratamento médico. Muitos deles são do interior do Estado, especialmente dos municípios da região metropolitana.

As cenas da lotação dos espaços da unidade foram feitas pelo Ministério Público em VHS no último dia 6/8, entre as 21 e as 24h. Segundo Sueli, são cenas chocantes, porque, quando os jovens estão dormindo, "parecem um monte de corpos amontoados e, somente quando algum tosse ou se mexe se percebe que estão vivos." Ela lembra que o Estatuto da Criança e do Adolescente já tem 13 anos e, até agora, ainda é desrespeitado. "É preciso manter em nossos corações a compaixão e o sentimento de humanidade. É preciso investir para que nosso futuro seja um pouco melhor", afirmou Sueli.

Prefeitos não aceitam novas unidades

Presidente do PSDB em São Paulo, o deputado Edson Aparecido mencionou que o Governo de São paulo já construiu 68 unidades, perfeitamente adaptadas aos ditames do Estatuto da Criança e do Adolescente. Além disso, lembrou das parcerias entre o governo e iniciativa privada, para atividades profissionalizantes e educacionais, visando à ressocialização dos jovens que praticaram delitos, e citou como exemplos as parcerias com a rede MacDonald's e Fundação Bradesco. Porém, os prefeitos municipais têm se mostrado refratários à instalação de unidades de internação da Febem em suas regiões e, segundo Aparecido, isso tem tornado o trabalho do Governo na implantação do novo projeto para o menor infrator muito difícil. Destacou, porém, que houve uma reformulação do conceito, motivo pelo qual a Febem é, hoje, subordinada à Secretaria da Educação.

Para a promotora, as críticas de que o Ministério Público só levanta problemas mas não resolve não é cabida, pois o MP tem limitações legais: seu papel é fiscalizar e apontar irregularidades, dar prazo para corrigir os problemas e, só então, representar à Justiça. É, segundo ela, uma questão de competências. A descentralização da Febem, com a implantação de unidades nos municípios de São Paulo, as conversas com os prefeitos para convencê-los a aceitá-las, isso é papel do Executivo. Sueli lembrou, ainda, que as unidades pequenas vêm funcionando bem, porém uma única unidade que apresente problemas graves, como os que ocorrem em Franco da Rocha ou no Brás, põe a perder todo o trabalho bom.

Sueli acredita que somente a descentralização e a obediência ao Estatuto da Criança e do Adolescente poderão melhorar a situação do menor infrator. "Cada região do Estado tem que ficar com seus filhos. Cada região do Estado produz seus próprios delinqüentes, por diversas razões de ordem social."

Edson Aparecido insiste que o diálogo com os prefeitos é muito difícil. "Os prefeitos não são solidários", segundo ele. Ele cita o caso de Santo André, cuja Câmara Municipal aprovou lei que proíbe a construção de unidades da Febem. Mas a promotora acha difícil aceitar esse argumento, já que em todo o interior do Estado as prefeituras aceitaram a abertura de 23 mil vagas de presídios.

Navio negreiro

A deputada Maria Lúcia Prandi (PT) diz sentir profunda tristeza pela crise na Febem. Segundo ela, a crise é recorrente e o progresso é muito pequeno. Lembrou das CPIs que já houve na Assembléia Legislativa, em 1992 e em 1996, e que culminaram no fechamento da unidade Imigrantes após a rebelião trágica que terminou com saldo de quatro jovens mortos: um deles teve a cabeça decepada e atirada longe. Ela reafirma as críticas que faz aos modelos implantados sem a participação da comunidade, mas ressalva que "a questão não é partidária, é de dignidade do ser humano."

Segundo Havanir Nimtz, deputada pelo PRONA, as três esferas de governo têm responsabilidade nos problemas de amparo ao menor. Ela Lamentou as condições a que são submetidos os menores. O deputado Geraldo "Bispo Gê" Tenuta (PSDB), presente à reunião e conselheiro do Condeca informou que atua desde 1995 na Febem e que muitas unidades funcionam bem, ressocializam o menor e dão formação profissional. Acha que a veiculação das imagens dá uma idéia de que toda a Febem é como a unidade do Brás.

Vistas as imagens do que o deputado Renato Simões considerou "um navio negreiro" (referência à imobilidade dos jovens na hora de dormir, em razão da superlotação da unidade do Brás), o presidente da comissão divulgou que recebeu carta da presidente do Condeca (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente), Maria Cristina da Silveira Fernandes, informando que não compareceria à audiência pública marcada para a reunião. Os ex-presidentes do conselho, Fabiano Marques de Paula e Maria Moreno Perroni, também não compareceram. Simões informou que já fez consulta prévia à Procuradoria da Assembléia, à vista das prerrogativas da comissão, para saber da obrigação de comparecimento dos convocados e, em caso de descumprimento, se caberia punição. O assunto está em estudo.

Plebiscito

Representando o Sindicato dos Metroviários de São Paulo, o diretor executivo da entidade, Dagnaldo Gonçalves Pereira, relatou a demissão de Alex Fernandes - também sindicalista da diretoria do sindicato - por haver participado da organização do plebiscito sobre a Alca. Segundo ele, o juiz do trabalho que julgou a ação impetrada pela Companhia do Metrô - cujo nome não revelou - considerou que a função de metroviário nada tinha a ver com o comércio exterior.

Com a presença também dos deputados Ítalo Cardoso (PT) e José Bittencourt (PTB), foi aprovado, entre outros, projeto que institui o prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo. O jornalista Tim Lopes foi morto pelo traficante conhecido como Elias Maluco quando investigava prostituição de menores em bailes funk, no Rio de Janeiro.

alesp