Lentidão da Justiça é obstáculo para assentamentos no Pontal

ITESP aguarda decisão de Justiça para definir situação de 250 mil hectares no Pontal do Paranapanema
21/08/2003 21:20

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Reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, presidida pelo deputado Renato Simões discute o o conflito de terra no Pontal do Paranapanema<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/hist/DH21ago03.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

DA REDAÇÃO

A violência no campo é uma preocupação crescente no país e no Estado de São Paulo. A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, presidida pelo deputado Renato Simões (PT), realizou nesta quinta-feira, 21/8, discussão sobre o conflito de terra no Pontal do Paranapanema. Participaram do debate Jonas Villas Boas, superintendente da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo José Gomes da Silva (ITESP), Gilmar Mauro, do Movimento Sem Terra (MST) de São Paulo, Maria de Oliveira, representante da Ouvidoria Agrária Nacional, e Telma Cardoso, do Incra- SP.

Apesar de ter sido programado antes, o debate da Comissão de Direitos Humanos sobre a situação do Pontal coincide com as discussões na Assembléia do projeto do governador Geraldo Alckmin que propõe a regularização das terras estaduais de até 500 hectares ocupadas de maneira irregular no Pontal do Paranapanema. Se aprovado, cerca de 600 propriedades poderão ter a situação legalizada. Os atuais ocupantes pagarão de 10 a 15 por cento do valor da terra sem benfeitoria para que sua posse seja regularizada e o pagamento poderá ser parcelado em até três anos.

A proposta do governo, lembrou Renato Simões, será discutida em pelo menos três audiências públicas. Em cada uma delas serão ouvidos, separadamente, prefeitos e autoridades locais dos municípios envolvidos pelo projeto, fazendeiros e trabalhadores sem terra.

Política de arredação

Gilmar Mauro disse que o MST apóia a realização de audiências públicas com todos os setores para discutir o projeto do Governo do Estado, mas adianta que as decisões políticas sobre a região não devem passar apenas pela regularização das terras de 100 a 500 hectares. "O Estado tem de ter uma política de arrecadação de terras públicas para efeito de promoção da reforma agrária", acrescentou.

Jonas Villas Boas, após apresentar a história da região do Pontal, disse que terras devolutas são uma característica de todo o país e que é preciso ter vontade de se fazer ações discriminatórias para promover os assentamentos de terras. Segundo Villas Boas, a situação de cerca de 250 mil hectares do Pontal encontra-se indefinida, aguardando decisão do Tribunal de Justiça sobre ações de discriminação que definem se as terras são devolutas ou particulares. Se não houver essas decisões será difícil dispor de terras para atender cerca de 7,5 mil famílias que se encontram acampadas na região. Muitas ações demoram décadas para obterem uma decisão em segunda instância. "Nossa legislação é atrasada e conservadora. Precisamos iniciar um debate nacional para encontrar mecanismos que desobstruam a realização da reforma agrária, oferendo agilidade para fazer justiça social", concluiu o representante do ITESP.

Villas Boas defendeu o projeto do governo, dizendo que a proposta vem cumprir promessa do ex-governador Mário Covas - feita em 1995, quando iniciaram os mais recentes assentamentos na região - de que garantiria a posse legal de pequenos e médios fazendeiros da região. Serão regularizadas terras que representam apenas 15% de toda a área do Pontal, aproximadamente 75 mil hectares. Os 85% restantes, que pertencem a apenas 150 fazendeiros, não serão regularizados e permanecem passíveis de questionamento judicial. O superintendente do ITESP avalia também que a proposta, se aprovada, vai contribuir para apaziguar as relações entre trabalhadores sem terra e pequenos e médios fazendeiros, que freqüentemente são utilizados como massa de manobra para defender posições de grandes latifundiários, inclusive oferecendo contingentes para a formação de milícias privadas.

Escalada armamentista

O deputado Renato Simões aponta a necessidade de uma atuação conjunta entre a Polícia Federal e a Secretaria de Segurança Público do Estado para desmontar o potencial armamentista que se acumula na região. O parlamentar apontou a adoção de posturas distintas das autoridades estaduais em relação aos conflitos no campo e as práticas de inibição da criminalidade nos bairros de periferia das metrópoles. Neste último caso, a Justiça, a pretexto de desbaratar ações criminosas, concede mandados de busca e apreensão coletivos autorizando a Polícia a vasculhar bairros inteiros. Já no Pontal, não se consegue nenhum mandado de busca para averiguar a formação de logística de armas de alto calibre das milícias privadas.

Simões também apontou obstáculos impostos pelo Judiciário às ações discriminatórias. Disse que está ocorrendo uma ideologização dos julgamentos em primeira instância. "É o espetáculo do crescimento de ações judiciais contrárias. Alguns juízes estão aplicando em suas decisões julgamentos sobre os representantes dos movimentos sociais, considerando-os muitas vezes como bando ou quadrilha de criminosos."

O presidente da Comissão de Direitos Humanos advertiu que a criminalização dos movimentos sociais gera um caldo de cultura que contamina a opinião pública e faz crer que a formação de milícias armadas é algo aceitável e justificável.

A representante da Ouvidoria Agrária, Maria de Oliveira, disse que o armamento não é uma coisa nova no Brasil. "Nova é a exibição que vem sendo feita do crescimento do potencial armamentista por setores da sociedade", disse. Sobre os obstáculos no âmbito do Judiciário, ela destacou a criação das varas agrárias federais, que devem existir em todos os Estados da Federação atuando nas ações reintegratórias, nos confliots agrários, no acompanhamento das emissões de posses e em outros casos.

Representantes de comissões de direitos humanos vão nesta sexta-feira, 22/8, à região do Pontal para averiguar situações de famílias acampadas e visitar lideranças do movimento dos sem terras que se encontram presas.

alesp