Comissões estadual e nacional da Verdade ouvem primeiros depoimentos

Foram relatados os casos de terrorismo de Estado contra Lisboa e Bacuri
12/11/2012 18:21 | Da redação Marcos Luiz Fernandes e Monica Ferrero - Foto: Roberto Navarro

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Airton Soares, Ivan Seixas, Adriano Diogo, Rosa Cardoso, Maria Rita Kehi e Suzana Lisboa<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2012/fg119241.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Adriano Diogo<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2012/fg119242.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Suzana Lisboa e Fernando Morais<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2012/fg119243.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Comissao da Verdade<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2012/fg119251.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Comissao da Verdade<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2012/fg119252.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa, representada pelo seu presidente, deputado Adriano Diogo (PT), e pelo seu secretário, Ivan Seixas, e a Comissão Nacional da Verdade, através de seus membros Rosa Maria Cardoso Cunha e Maria Rita Kehl, realizaram audiência conjunta nesta segunda-feira, 12/11, para ouvir depoimentos sobre os casos dos presos políticos Luiz Eurico Tejera Lisboa e Eduardo Leite, o Bacuri.

Rosa Cardoso esclareceu que em São Paulo ocorreram 140 casos de terrorismo de Estado, e que a intenção da Comissão da Verdade era ouvir as vítimas para formar um relatório, e depois confrontar os responsáveis, o que foi reforçado por Ivan Seixas. Maria Rita Kehl elogiou o formato adotado pela comissão, assim como o senador Eduardo Suplicy (PT/SP).



Luiz Eurico Tejera Lisboa

Na primeira parte da reunião, tratou-se do caso de Luiz Eurico Tejera Lisboa, militante estudantil e da Ação Libertadora Nacional (ALN), que desapareceu em setembro de 1972. Seus restos mortais foram encontrados na vala do cemitério de Perus, enterrado sob nome falso. Foi, em 1979, o primeiro desaparecido político a ser identificado.

Sua esposa afirmou em depoimento que, durante um congresso pela anistia, no Rio de Janeiro, chegou a receber informações extraoficiais, vindas de escalões do governo, de que Luiz Eurico estaria casado e vivendo em Montevidéu. Em seguida, vieram dados que conduziram à identificação de Eurico como Nelson Bueno, cujo óbito estava registrado no cemitério de Perus.

"Logo após a votação do projeto da Lei da Anistia (em 1979), comecei a denunciar o caso de Luiz Eurico. Lembro que, no plenário do Senado, o senador Jarbas Passarinho gritava para mim: "Vai procurar seu marido. Isso me marcou demais", relatou Suzana Lisboa, viúva de Eurico.



Contradições

Até o início das denúncias, Suzana não conseguiu acesso a nenhum inquérito relativo a Luiz Eurico. Depois disso, segundo ela, surgiram inquérito e processo, com fotos que mostravam Luiz Eurico morto, com duas armas na mão. Segundo o inquérito, ele havia se suicidado com um tiro na cabeça, numa pensão no bairro paulistano da Liberdade. "O inquérito tem muitas contradições, a começar pelas datas em que ele teria morrido e em que se teria feito a necropsia, e também em relação a fraturas que ele tinha no corpo", lembrou Suzana.

Feito por um perito, um laudo de reconstrução da morte de Luiz Eurico concluiu que ele recebeu um tiro de cima para baixo, e que manchas de sangue em seus dedos são incompatíveis com a maneira como ele supostamente portava as armas.

O depoimento de Suzana foi emocionado, mas lúcido. Ela questionou os membros da Comissão Nacional da Verdade sobre um processo de retificação do registro de óbito de Luiz Eurico. Também lembrou nomes de pessoas envolvidas no inquérito da morte de seu marido que poderiam ser ouvidas pelas comissões, para tentar restabelecer a verdade.

Na audiência, o jornalista e escritor Fernando Morais colocou-se à disposição para ajudar os trabalhos da Comissão da Verdade Rubens Paiva. Ele foi deputado estadual de 1978 a 1982 e presidiu a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa paulista. "Éramos cerca de 15 deputados comprometidos em denunciar a ditadura. Colocamos nossa pequena infraestrutura, na época, para ajudar os familiares de desaparecidos", lembrou.

Morais acredita que nos anais da Assembleia é possível levantar informações e dados, a partir de pronunciamentos, que possam contribuir para as apurações. Ivan Seixas e Suzana Lisboa também sugeriram, como linha de investigação, que se verifique a transferência de presos políticos para o Manicômio Judiciário na época da ditadura.

"Oficialmente, o inquérito que investigou sua morte concluiu pelo suicídio. Mas as circunstâncias reais de sua morte talvez nunca sejam esclarecidas", afirmou às comissões Suzana Lisboa.

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Notícia da fuga de Bacuri na Folha da Tarde foi "crônica de uma morte anunciada", diz testemunha

Viúva frisa que corpo entregue à família "era o de uma pessoa que havia sofrido muitíssimo"

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"Fui presa cerca de um mês antes de Eduardo, grávida de seis meses, pela Operação Bandeirantes (Oban)", contou Denise Crispim, viúva de Eduardo Leite, apelidado de Bacuri. Militante da Ação Liberadora Nacional (ALN), ele foi preso em agosto de 1970, no Rio de Janeiro, pelo Centro de Informações da Marinha (Cenimar). Bacuri foi posteriormente transferido para o Dops de São Paulo, onde foi interrogado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, que o repassou para o DOI-Codi de São Paulo. Bacuri foi novamente transferido para outras prisões, e foi assassinado em um quartel do Exército em Guarujá.

Como Eduardo queria provas de que Denise estava viva, Fleury a levou para uma breve visita, quando ela pôde constatar marcas de tortura em Bacuri. Em dezembro, foi divulgada a notícia de que Bacuri, fugitivo, morrera durante trocas de tiros com policiais no litoral paulista. Mas o corpo entregue à família, recordou Denise, "era o de uma pessoa que havia sofrido muitíssimo", com graves ferimentos visíveis, incompatíveis com tiros, e foi enterrado sem o devido atestado de óbito.

Quando ainda estava num hospital, que era uma prisão disfarçada, após o nascimento da filha, Denise conseguiu enviar a Eduardo Leite alguns objetos, que incluíram um sapatinho de lã de bebê. Denise afirmou que Bacuri foi torturado por 109 dias, e no final tinha uma ferida na perna, infeccionada, com gangrena, e estava com pneumonia. Mesmo assim havia iniciado uma greve de fome. Segundo ela, os relatos da morte de Bacuri dão conta de que ele foi morto provavelmente com uma forte pancada na cabeça.



Testemunhas

A seguir, prestaram testemunho pessoas que estavam presas junto com Bacuri, que relataram o tratamento cruel que ele sofreu na prisão. Ottoni Guimarães Fernandes Júnior, militante da ALN, foi preso em 21/8/1970, no Rio de Janeiro, em ação conjunta do Cenimar e do Dops. Levado para uma "casa da morte", em local que descobriu-se depois se localizar no bairro de São Conrado, no Rio, foi posto no mesmo quarto que Bacuri, onde ambos foram muito torturados. Ottoni sugeriu que a Comissão da Verdade tentasse localizar esta casa e relatou o processo a que foi submetido na Marinha, via Inquérito Policial Militar, que o condenou à prisão perpétua.

Também ex-preso político, Reinaldo Morano Filho relatou os fatos que o levaram à prisão, pelo Esquadrão da Morte, comandado pelo delegado Fleury, em 15/8/1970. Cerca de dez dias depois de sua prisão, Morano foi posto frente a frente com Bacuri " a quem não conhecia " para acareação. Morano disse que Bacuri chegou carregado, pois não conseguia andar, devido às torturas.

Ambos ficaram presos no Dops. Quando correram notícias sobre a fuga de Bacuri, os presos consideraram que isso era sinal de que pretendiam executar Bacuri. Foi decidido pelos presos que sua cela ficaria vigiada, e quando Bacuri foi retirado da carceragem do Dops, houve ruidosas manifestações dos presos.



Coragem revolucionária

"Bacuri era um revolucionário que sempre atuou com muita coragem", disse Ariston Lucena, militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), oriundo de uma família de militantes comunistas, também preso em agosto de 1970. Dividiu cela com Bacuri na Oban, que lá chegou muito ferido, sem poder andar. Lucena foi depois transferido para o Dops, em outubro, e testemunhou a chegada lá de Bacuri, sempre carregado, por conta de lesões provocadas por tortura. Ele considerou a notícia de sua fuga, dada pelo jornal Folha da Tarde, "crônica de uma morte anunciada".

"Conheci Bacuri no presídio Tiradentes, para onde fui levado depois de ter passado 10 meses em outra prisão, em Santos, esta comandada por Erasmo Dias", afirmou Carlos Roberto Pittoli. Depois de ter sido transferido para o Dops por três dias, quando retornava ao Tiradentes, Pittoli viu Bacuri chegar carregado ao mesmo presídio. Foi nesta ocasião que ele recebeu um sapatinho de bebê (enviado por Denise) e a tarefa de entregá-lo a Bacuri.

O então soldado conscrito Roberto de Assis Tavares de Almeida relatou os fatos que presenciou sobre os últimos dias de vida de Eduardo Leite. Entre setembro e outubro, os soldados foram informados da existência de um preso em uma cela algumas centenas de metros distante do quartel em Guarujá. Almeida disse que fez guarda da cela onde o preso estava, e disse que ele mancava de uma perna. Apesar dos ferimentos, Bacuri deu um jeito de fazer um buraco na parede da cela, e quase conseguiu fugir.

Depois disso, foi levado a uma parte subterrânea do quartel, e não foi mais visto pelo depoente, embora tenha sabido da chegada de carros como os usados pelo DOI-Codi. Almeida falou ainda do estranhamento dos soldados que prestavam, como ele, serviço militar no quartel quando das notícias da fuga do preso, que sabiam estar lá detido e visivelmente enfraquecido.

Ao final da reunião, Denise Crispim recebeu uma homenagem das mãos de Dulce Muniz. Denise referiu-se ainda ao filme Repare Bem, da cineasta e atriz portuguesa Maria de Medeiros, que aborda a trajetória de mulheres de sua família, e que foi exibido na última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Também foi exibido o vídeo Companheiro Bacuri, feito para o lançamento do livro homônimo de Vanessa Gonçalves.

alesp