Comissão da Verdade ouve militares que lutaram na resistência democrática

Membros da corporação que resistiram ao golpe buscam espaço para a memória
22/11/2013 19:43 | Da redação - Foto: Maurício Garcia

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Ivan Seixas e Rosa Cardoso<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149345.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Osni Geraldo Santa Rosa<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149346.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Osni Geraldo Santa Rosa<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149347.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Carlos Roberto Pitoli<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149348.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> José de Menezes Cabral<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149349.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Público durante reunião da Comissão da Verdade<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149350.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Adriano Diogo, presidente da comissão<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149351.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Ivan Seixas, José de Menezes Cabral, Idibal Piveta, Adriano Diogo, Rosa Cardoso e Carlos Roberto Pitoli<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149352.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Público acompanha depoimentos<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149353.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Tenente Paz<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-11-2013/fg149354.jpg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva realizou audiência pública nesta sexta-feira, 22/11, com o objetivo de detalhar o surgimento da Polícia Militar e seu vínculo orgânico com o Exército Brasileiro, que a utilizou como braço auxiliar da repressão política durante o regime militar (1964-1985).

A comissão, presidida pelo deputado Adriano Diogo (PT), ouviu na primeira parte da audiência os depoimentos do tenente-coronel Osni Geraldo Santa Rosa, integrante da antiga Guarda Civil, e do capitão do Exército Ovídeo Ferreira Dias. Ambos foram presos pelos órgãos de repressão, torturados e tiveram suas carreiras interrompidas e prejudicadas por terem participado da resistência democrática contra a ditadura.

Santa Rosa ingressou na Guarda Civil de São Paulo nos anos 1960. A corporação funcionava como a parte uniformizada da Polícia Civil e era destinada a realizar diversas modalidades de policiamento no Estado (pedestre, motorizado, a cavalo, de motocicleta), além de contar com uma força de controle de distúrbios. A Guarda Civil foi extinta em 1970 por imposição do regime militar. Parte dos seus efetivos foi incorporada à atual Polícia Militar. Outros servidores ficaram vinculados à Polícia Civil, sem no entanto terem reconhecidos seus direitos no quadro efetivo da corporação. Até hoje, ex-integrantes da corporação lutam para conquistar direitos e beníficios que lhes foram suprimidos depois da fusão da Guarda Civil com a PM.

Prisão e carreira interrompida

Santa Rosa contou que, como integrante da Guarda Civil, participou de diversas reuniões regionais e locais da associação de policiais, na qual havia um grupo ativo ligado ao Partico Comunista Brasileiro. No início dos anos 1960, não havia cerceamento a atividades políticas e associativas por parte da corporação. Os posicionamentos político-ideológicos estavam divididos em dois polos: os defensores do capitalismo representado pelos Estados Unidos e os adeptos ao comunismo da União Soviética. "Não gosto do capitalismo. Mas também não me sentia muito confortável para atuar no PCB", disse Santa Rosa.

Em 1970, no auge da repressão, um colega seu que defendia a luta armada contra a ditadura foi preso. Aos agentes da Operação Bandeirantes, o amigo teria mencionado o seu nome como participante das ações de resistência. Santa Rosa foi preso em seguida. Permaneceu na prisão, no primeiro momento, durante quatro meses. Ali escutou gritos, teve os olhos vendados, levou choques e ouviu diversas ameaças de morte. "Sofri as piores crueldades", disse o tenente, destacando os nomes dos "terríveis" tenentes Piazza e Capeluto.

Depois de quatro meses, Santa Rosa recebeu ordens de voltar ao trabalho, enquanto seu processo seguia. Estava próximo de alcançar uma promoção. Mas antes que isso acontecesse foi condenado a dois anos de prisão. Conseguiu no Superior Tribunal Militar reduzir sua pena para oito meses. Anos mais tarde, veio a absolvição do STM e a conquista da promoção a segundo-tenente. Porém, em 1975, uma equipe do DOI-Codi o levaria preso novamente.

Dias antes, havia ocorrido a prisão e morte de Vladimir Herzog e do tenente PM José Ferreira de Almeida. "A única diferença entre a primeira prisão e esse período de confinamento no DOI-Codi é que, dessa vez, eu estava entre outros colegas. Sofri torturas físicas, mas menos do que na vez anterior." Alí também teria ouvido que o tenente José Ferreira de Almeida sofrera as piores crueldades. "Foi trucidado. Arrebentado."

A repercussão da morte de Herzog, segundo o depoente, acirrou as disputas na cúpula da polícia. Venceu uma ala "mais amena". Apesar disso, em 1976, Santa Rosa foi expulso da corporação junto com outros colegas. Ficou fora da PM de 1976 a 1986. "Foram tempos difíceis, sem emprego e vivendo de bico", contou.

Depois de sua reintegração à corporação, ele conquistou mais duas promoções. Ao pedir sua passagem para a reserva, chegava ao grau de coronel. Entretanto, duas semanas depois, a última promoção seria revogada por ordem de um superior. Santa Rosa lutou por seus direitos no âmbito da comissão da anistia, sem obter êxito.

Preso no navio

O capitão do Exército Ovídeo Ferreira Dias relatou sua história de resistência democrática, com ingredientes semelhantes: prisão, perseguição, interrupção da carreira militar e supressão de direitos. Ovídeo ingressou no Exército em 1956, no Estado do Mato Grosso. Foi transferido para São Paulo, onde foi expulso da corporação em razão de sua resistência ao golpe militar de 1964.

"No Mato Grosso, ainda jovem, ouvi de um militante comunista que os operários seriam os donos do mundo. Desde então, meu sonho era tornar-me um operário em São Paulo. Consegui, assim, minha transferência para cá", conta o capitão. Já em Osasco, integrou o Movimento dos Sargentos, que havia participado da campanha da legalidade em defesa da posse de João Goulart em 1961 e apoiava as reformas de base defendidas pelo governo do Partido Trabalhista Brasileiro.

Quando aconteceu o golpe militar, Dias uniu-se a outros companheiros para oferecer resistência ao golpe. No dia 2 de abril de 1964, vários militares que defendiam a democracia iriam decidir se fariam uma greve geral, ideia que não vingou. No dia 9 de abril, o então sargento seria preso no quartel de Quitaúna.

Depois de dois meses de prisão, o capitão Ovídeo foi levado para o navio Raul Soares, onde ficou confinado por mais cinco meses, até ser conduzido para o presídio de Santos, com mais 16 presos. Ali permaneceu até setembro de 1965.

Seu confinamento no navio Raul Soares teve momentos de tensão e medo. Segundo Ovídeo, junto dele estavam operários, professores, estudantes e militares perseguidos e presos pela repressão. No começo, tentou promover práticas de educação física junto com seus companheiros. Mas a iniciativa foi logo reprimida pelo comando do navio, que procurou manter o isolamento dos presos em celas individuais.

O capitão disse que muitos dos que estiveram no navio foram levados a uma câmara frigorífica. Ele também passou por lá. Segundo ele disse, deve sua sobrevivência a um companheiro de origem japonesa que lhe orientou a procurar um canto da câmara onde havia mais oxigênio. A estratégia lhe salvou a vida.

Expulso do Exército desde 1964, o capitão passou anos de sua vida a organizar o grupo de militares resistentes na luta pela anistia política. Só recentemente conseguiu passar para a reserva com a patente de capitão.

Espaço para a memória dos resistentes

O tenente Francisco Jesus da Paz disse que os militares foram uma das primeiras categorias a serem duramente perseguidas e reprimidas pela ditadura. Os militares que resistiram ao golpe de 1964 sofreram todo tipo de violência. Mortes, prisões, torturas e banimentos. Para destacar a memória desse setor democrático do Exército Brasileiro, muitas vezes esquecido e sombreado pela hegemonia dos defensores do regime autoritário, está sendo organizado um movimento que reivindica um espaço para preservar essa memória em um local simbólico: o prédio da antiga auditoria militar.

No prédio situado na avenida Brigadeiro Luiz Antonio, 1.249, aconteceram importantes julgamentos de presos e perseguidos políticos dos "anos de chumbo". No banco dos réus, operários, estudantes camponeses, intelectuais, artistas, políticos e muitos militares que ousaram enfrentar o regime e a autoridade de seus superiores hierárquicos. Há pouco tempo, o prédio foi entregue à OAB de São Paulo para funcionar como um memorial das atividades de advogados e juristas que defenderam os cidadãos que se insurgiram contra o arbítrio ditatorial.

Os militares que foram perseguidos reivindicam também um espaço simbólico para guardar a memória de sua luta na resistência democrática.

Ameaças de morte

Carlos Roberto Pitoli, hoje capitão do Exército da Reserva, contou ter sido torturado e preso por dois anos no quartel do município da Praia Grande, e salientou a frequência de torturas que viu naquele local. Pitoli também afirmou ter sido ameaçado de morte pelo coronel e ex-deputado estadual Erasmo Dias, como forma de pressão para que desse as informações que os militares buscavam.

Cabral, capitão reformado da Força Pública, tem formação universitária na área de Ciência Sociais e não participou ativamente da luta armada. Afirmou ter agido nos movimentos na parte de organização, planejamento e divulgação, mas destacou que conhecia e que estava ligado aos companheiros que pegaram em armas. Disse ter se oposto ao endurecimento do militarismo que surgiu depois que a Força Pública foi transformada em Polícia Militar. Falou que na época ele e seus familiares foram muito vigiados. "E ainda sou", concluiu Cabral.

Militares contra a ditadura

Francisco de Jesus Paz, falou da luta de parte dos militares contra a ditadura. Muitos foram presos, torturados e assassinados. Graduado em Direito, Filosofia e mais oito especializações, conta que os estudantes eram maltratados e tratados como se representassem perigo real. Paz discorreu a respeito da criação dos DOPS, que foi descrita como a "Casa do Terror". Comentou também o governo de José Sarney, que chamou de "democracia tutelada".

O hoje coronel reformado Fábio Gonçalves, começou a trabalhar na Força Pública em 1968. Ele contou que foi assistente militar de Luiza Erundina e que chegou a ser preso por conta da influência que poderia exercer no preenchimento da vaga de comandante do Gabinete Militar.

Gonçalves falou da falta de credibilidade da polícia junto à população e disse que a desmilitarização é um fato importante para a mudança política. "A Polícia Militar executa um ótimo trabalho para a classe dominante", resumiu.

alesp