Audiência pública na Alesp questiona a manutenção dos cursos a distância na área da Saúde no Brasil

Categorias profissionais querem a aprovação, em Brasília, do Projeto de Lei 5.414/16, que proíbe esta prática; falta de fiscalização adequada gera baixa qualidade e eficiência, banalização do aprendizado e casos de fraudes
25/09/2023 20:04 | Formação | Fábio Gallacci - Fotos: Marco A. Cardelino

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Audiência pública Saúde EAD<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2023/fg309700.jpeg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a> Audiência pública Saúde EAD<a style='float:right;color:#ccc' href='https://www3.al.sp.gov.br/repositorio/noticia/N-09-2023/fg309701.jpeg' target=_blank><i class='bi bi-zoom-in'></i> Clique para ver a imagem </a>

Apresentar um claro posicionamento contrário à existência de cursos de ensino a distância (EAD) na área da Saúde no Brasil. Este foi o foco da audiência pública promovida pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo, nesta segunda-feira (25), na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Todos buscam a aprovação, sem emendas, do Projeto de Lei 5.414/16, que proíbe o incentivo do desenvolvimento e veiculação de programas de ensino a distância em curso da área de Saúde. O evento foi solicitado pela deputada Leci Brandão (PCdoB), que não compareceu por motivos de saúde, mas contou com a presença do deputado federal Orlando Silva (PCdoB) e representantes de diversas áreas profissionais ligadas ao assunto.

O texto atual do PL 5.414/16 altera o artigo 80 da Lei nº 9.394, de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Inicialmente, o projeto de autoria do atual presidente do Senado e na época deputado federal, Rodrigo Pacheco (PSD), buscava a liberação das graduações no formato EAD e dos cursos de Saúde, mas acabou sendo substituído pelo novo texto que proíbe esses cursos.

Coalisão

O deputado federal Orlando Silva iniciou sua participação anunciando que ainda não havia protocolado o seu parecer sobre o tema. O documento será votado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Ele quis participar da audiência na Alesp antes de fechar sua posição em Brasília.

"A tecnologia é uma maravilha, mas tem um limite. No caso da formação de profissionais que cuidam de gente é muito importante o presencial. Contudo, não tem um governo que seja imune à pressão política e econômica dessas empresas. Será necessário fazermos uma coalisão no Congresso, e das categorias. Lutamos contra interesses poderosos", comentou Silva. "Sou entusiasta das novas tecnologias, e reconheço a importância dessas ferramentas, mas o primeiro projeto que protocolei, em 2015, foi a vedação do ensino a distância para os cursos de enfermagem. Rapidamente, percebi que isso vai além, que se trata de algo da Saúde como um todo. Estamos impedindo que se crie a ilusão de que haverá uma formação e uma ocupação para as pessoas que buscam o EAD. No final, são as pessoas pobres que serão as mais penalizadas porque aquela formação que ela tem será inútil para o que ela pretendia fazer", acrescentou o parlamentar, que propôs um encontro em Brasília das mais diversas categorias para mobilizar deputados de todos os partidos.

Valdecir Paula Lima, presidente do Fórum dos Conselhos da Saúde do Estado de São Paulo reforçou o posicionamento a favor da aprovação do PL 5.414/16 sem emendas. "O comportamento do Ministério da Educação não é aquele que nós esperamos, como profissionais da área da Saúde, a verdade é essa. Nosso objetivo final é defender a saúde da população brasileira", disse ele. "De forma alguma o Fórum se coloca contra o Ministério da Educação. A questão é que temos uma preocupação em como isso está sendo conduzido", comentou Lima.

Fora da realidade

Com números, gráficos e comprovações de que o assunto merece atenção de toda a sociedade, Zilamar Costa, representante do Conselho Federal de Farmácia, apontou que o objetivo propagado para a escalada dos cursos EAD pelo Brasil é que eles serviriam para atingir uma grande parcela da população, mas isso não é uma realidade.

De acordo com dados apresentados por ela, de 2017 a 2022, houve um crescimento de 603% no número de vagas de EAD autorizadas pela pasta da Educação no País. Para se ter uma dimensão, em setembro de 2022, o número chegava 1,9 milhão de vagas. "No mundo inteiro, isso não acontece. Concluímos que, de todas as vagas autorizadas pelo Ministério da Educação, 55% delas são em caráter ocioso. Então, para que autorizar tantas vagas? Só para dizer à sociedade que está abrindo uma acessibilidade que, na verdade, não é real", afirmou Zilamar, mostrando que o Brasil conta hoje com 9,2 mil cursos presenciais e 28 mil polos de EAD na área da Saúde, sendo que estes últimos não são devidamente avaliados.

"Esse crescimento desordenado vem comprometendo a qualidade de formação e substituindo a modalidade presencial, com precarização do ensino e demissão em massa de professores. Essa é uma situação muito grave, na medida em que nós temos 95% dos cursos EAD no País dentro de instituições privadas. Por que será que as instituições públicas, que são consideradas referências, não aceitam o EAD na área da Saúde?", questionou a representante do Conselho Federal de Farmácia.

Garagem e terreno baldio

Zilamar ainda apresentou fotos do que deveria ser um polo de Enfermagem e Farmácia de uma instituição denominada Universidade Brasil, localizado no município de São Bento (MA). O local, que é credenciado para EAD pelo Ministério da Educação, é na realidade uma garagem de fundo de quintal.

Outro exemplo foi um terreno baldio, que deveria ser um polo de aprendizado em Medicina Veterinária em Palmas (TO). "Trabalhamos com vidas, olho no olho. Precisamos, em todas as formações, ter como foco o cuidado às pessoas. Isso não se faz a distância", afirmou Zilamar.

TCU

Para fechar sua participação, a representante do Conselho Federal de Farmácia apresentou um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o assunto. No documento, a instituição chegou à conclusão de que não existe uma Política Nacional de Educação Superior lógica e estruturada no caso do EAD, mas um processo regulatório de baixa eficiência, onde a avaliação não reflete a qualidade de formação. O TCU ainda detectou, em sua análise, um baixo grau de transparência em todo o processo de supervisão destes tipos de cursos. "A Educação tem sido vista como um negócio lucrativo e não um direito social. Em nome da inclusão está ocorrendo, de fato, uma banalização. A democratização do ensino está sendo confundida com massificação. Isso é um grande risco para a sociedade", concluiu Zilamar.


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